Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Sob a ótica estrangeira

No Brasil, de uns anos para cá, virou lugar-comum dizer que os brasileiros só redescobriram a Tropicália depois que Kurt Cobain (Nirvana) elogiou os Mutantes em sua vinda ao Brasil em 1993, David Byrne lançou discos de Tom Zé nos Estados Unidos e Beck gravou uma música chamada Tropicalia (pessoalmente, acredito que essa teoria é apenas meia verdade). Sabemos que esses três músicos sempre tiveram um conhecimento musical acima da média ; no caso de Beck e Byrne, suas referências musicais vão além do circuito EUA-Europa e da música cantada em inglês. Afinal de contas, como a produção tropicalista reverberou nos Estados Unidos desde seu surgimento até hoje em dia? Sei que os americanos e europeus conhecem Caetano e Gil de sua produção mais recente (para muitos, relacionada a world music), mas e quanto a sua produção na época da Tropicália?
Primeiro, acho que a Tropicália tem permanecido constantemente como uma referência fundamental desde 1968. A partir de 1977-78, podemos ver que os jornais comemoravam o movimento em intervalos de cinco anos. É verdade que demorou para relançarem todos do discos tropicalistas em formato CD, mas não precisava de Beck para que os brasileiros redescobrissem a Tropicália. Tirando alguns especialistas em cultura brasileira no exterior, a Tropicália era praticamente ignorada fora do Brasil até meados dos anos 1990 quando começou a circular entre músicos e críticos mais antenados que apreciavam o anti-estilo tropicalista baseado em justaposições, misturas e citações sonoras interessantes e até engraçadas. Acho que o lançamento da coletânea de Tom Zé pelo selo Luaka Bop, de David Bryne, em 1990, preparou o terreno para isso porque abriu nossos ouvidos para música brasileira experimental que não era bossa nova, nem cabia no esquema de world music.

Em quais outros artistas não-brasileiros você percebe influências (mesmo que apenas sonoras) da Tropicália?
Desde que fiz minha pesquisa, não acompanho muito esta ressonâncias tropicalistas no exterior, mas entendo que é uma referência para bandas como Of Montreal e Kingdom Cloud. Fala-se muito em Beck, mas a maior homenagem a Tropicália foi feita por Mac McCaughan, vocalista do Superchunk, em sua outra banda, Portastatic, no disco De mel, de melão (2000), em que ele canta várias músicas tropicalistas em bom português. A versão que ele faz de Baby é bem interessante.

Ainda falando sobre a visão dos estrangeiros sobre a Tropicália, a minha impressão é que muitos identificam a Tropicália apenas como uma versão tropical da psicodelia dos anos 1960 ; e, até pela questão da barreira do idioma, não percebem todo o potencial do movimento. Você concorda com isso?
Concordo em parte. A identificação da Tropicália como uma versão tropical da psicodelia tem mais a ver com Os Mutantes e talvez os discos tropicalistas de Gal Costa e Gilberto Gil. Seria difícil encaixar os primeiros discos de Tom Zé na psicodelia. É verdade que o movimento em seu contexto político e cultural foi ignorado. Espero que meu livro, lançado originalmente em inglês em 2001, tenha contribuído para um conhecimento mais profundo do movimento nos EUA e outros países anglófonos.

Qual foi a recepção de seu livro nos Estados Unidos? Acredita que hoje existe um interesse maior dos americanos pela cultura brasileira pós-bossa nova do que na época em que você começou a estudar o assunto? Por que?
Meu livro foi muito bem recebido. Alguns jornalistas resmungaram sobre o tom acadêmico, mas em geral a crítica foi muito positiva. Fiquei muito contente porque o livro circulou fora do circuito acadêmico. Sem dúvida, existe um interesse sempre crescente pela cultura brasileira nos EUA. Antigamente, a música brasileira era consumida como uma vertente latina do jazz por causa da bossa nova. Hoje, a bossa nova continua sendo uma referência, mas agora compete com outros estilos como forró, axé, baile funk, mangue beat e outros sons híbridos da música contemporânea.

Quais os desafios de estudar um movimento cultural do Brasil dos anos 1960 estando nos Estados Unidos algumas décadas depois?
Correr atrás das pessoas para entrevistas!

Quanto tempo demorou a pesquisa? Quais as informações mais difíceis de conseguir e por que? Quantas viagens você fez ao Brasil durante a pesquisa?
Levei uns seis, sete anos fazendo pesquisa. Foi o tema da minha tese de doutorado, defendida em 1996, e depois levei alguns anos reescrevendo o texto para publicação como livro.

Você ainda visita o Brasil? Quais são seus lugares favoritos aqui?
Estou no Brasil agora e fico até junho. Estou adorando viver em Copacabana com sua diversidade em termos de classe social, raça e faixa etária ; tem uma concentração impressionante de pessoas da terceira idade que dá ao bairro um certo charme. Amo o bairro de Santa Teresa. Amo Salvador e gosto muito de Recife, São Paulo e, cada vez mais, Brasília.

Você tem conhecimento da influências da Tropicálica nos artistas brasileiros atuais? Quem você acredita que seja os "filhotes" da Tropicália?
Acho que a Tropicália permanece como uma referência fundamental, embora cada vez mais difusa. Uns dez anos atrás, senti também que havia um esforço por parte de gerações mais novas de criar uma distância em relação à Tropicália e aos tropicalistas. Aquela geração da MPB que surgiu nos anos 1960 foi muito forte e de alguma forma chegou a ser um fardo para gerações que seguiram. Mas acho que este momento de "ansiedade da influência" já passou.

Você acompanha a atual produção dos tropicalistas? O que acha dos discos recentes de Caetano, Gil, Mutantes, Arnaldo Baptista, Tom Zé e Gal Gosta?
Tenho acompanhado mais o trabalho de Caetano Veloso e Tom Zé. Gosto muito do trabalho recente de Caetano com estes jovens músicos como Pedro Sá, que é um guitarrista brilhante. E estou adorando a segunda juventude de Tom Zé que, com mais de 70 anos de idade, continua a fazer música muito inventiva e corajosa. No palco, ele é um espetáculo!

Se você pudesse voltar no tempo, qual evento relacionado a Tropicália gostaria de ter testemunhado? A participação dos tropicalistas nos festivais de música? Alguma vais específica? Alguma consagração específica?
Como qualquer um que estuda a Tropicália, gostaria de voltar no tempo e assistir a eliminatória do Festival Internacional da Canção no TUCA, São Paulo, em 1968, quando Caetano cantou É proibido proibir com Os Mutantes e fez aquele discurso exaltado ; "Mas isso é a juventude que diz que quer tomar o poder..." Esse evento sintetizou dramaticamente os conflitos culturais daquela época.