Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Dillo D'Araújo tem uma carreira que cabe num DVD

Aos 34 anos, o multi-instrumentista Dillo D;Araújo tem uma carreira que cabe num DVD. É o que ele vai mostrar a partir de maio com seu novo trabalho Música Roqueira popular Brasileira. Nesta conversa informal com o Correio, o guitarrista ataca a passividade dos jovens brasilienses, mais preocupados em [SAIBAMAIS]passar em concursos públicos do que em investir em cultura e novas experiências estéticas. ;A juventude é completamente estéril.; Ele também não poupa críticas à geração Rebolation e diz que o rock morreu, ;não há mais novidade;. Na agenda para este ano e o início de 2011, shows em várias cidades do país e no exterior, como em Copenhague e Cannes.

Por que os músicos estão saindo de Brasília? Não há mais espaço na cidade?

Só posso falar da minha geração, como Celso Salim, Kiko Peres... Eu saí daqui há cinco anos. Agora eu não sei se essa migração artística continua. Mas essa saída teve muito a ver com o perfil do brasiliense. Só fui começar a notar certas coisas no modus operandi brasiliense depois que me mudei. E não falo só do Rio de Janeiro, mas de outras cidades, como Fortaleza, Recife, Campinas (SP), Uberlândia (MG), por onde passei algum tempo. O brasiliense tem uma característica que é diferente das de outras regiões. O interesse aqui é por uma carreira pública. Os jovens estão focados não em livros, mas em apostilas para serem bem-sucedidos em concursos públicos. Se eles conseguirem esse objetivo, um emprego estável, automaticamente passam por um processo de acomodação.

Qual é o reflexo dessa acomodação na cultura local?

Esse jovem que está ali, acomodado, não sai de casa, não tem interesse por novas paisagens artísticas, não se interessa por estética, por cinema, por teatro, por literatura. Existe uma paralisia intelectual que paira sobre Brasília. Issto é notório. Estive recentemente numa mostra de cinema em Campinas e toda a juventude da cidade estava lá pulsando, discutindo questões da comunidade, seus anseios culturais. Noutro dia, estava em Taguatinga, onde minha mãe mora, e li que haveria uma mostra de cinema no Teatro da Praça. Fui lá e só encontrei o produtor e o bilheteiro. É muito emblemático, porque na região de Taguatinga e arredores vivem cerca de três milhões de pessoas, muitas numa idade propícia para esse tipo de fomento artístico-cultural. Não há uma discussão sobre nossas vocações culturais, um debate sobre o nosso povo, o nosso momento, os nossos anseios. A juventude está completamente estréril.

Qual o efeito disso?

Essa letargia se reflete na cena cultural: 90% dos palcos de Brasília são destinados à estética do cover, do cover do Iron Maiden, do Capital Inicial, dos Beatles, etc. Na minha opinião, isso vai gerar uma defasagem cultural absurda daqui a algum tempo. Porque passamos os últimos 10 anos só repetindo, estamos todos conectados com o imediato, desde os donos das casas noturnas que, na urgência do lucro, preferem um cover do Capital Inicial do que o disco novo de um músico da cidade, porque, para o comerciante e o público passivo, isso é mais vantajoso num primeiro momento. Há o ;risco; de esse artista local querer mostrar canções que vão incomodar, querer mostrar uma estética ácida que pode ferir o conformismo coletivo. Para o artista do cover, também é ;lucrativo;. Ele prefere ficar carregando equipamentos nas costas por 10 anos, tocando a troco de farelos para repetir o que já foi feito. É melhor, para ele, do que apostar num trabalho autoral. Está todo mundo na urgência, o dono da casa de show, o músico cover e o público geração BigBrother. O pensamento é comum: pra quê eu vou me preocupar com questões intelectuais, ;chatolas;, se eu tenho ao meu alcance o reality show da minha vida? É isso que percebo.

Você anda na corda-bamba do blues, do rock e da MPB com uma guitarra na mão. Como conciliar esses gêneros que se mostram tão distintos?
Peguei uma via de transição da música brasileira moderna que tem um pé no rock. A indústria fonográfica mundial possibilitou essa mistura. Como nos anos 1970, quando ela atingiu o ápice de seu vigor e influência no planeta, no que diz respeito à vendagem de disco em vinil. Naquele período houve uma estandartização da música. Por exemplo: a estética da música do Led Zeppelin estava acessível nas prateleiras de Brasília a um garoto que nasceu na cidade, filho de um sanfoneiro nordestino e de uma mineira. Isso aconteceu também em muitas partes do planeta, só variando a intensidade. Essa influência eu não posso negar. Sinto que minha música tem o DNA do rock inglês misturado com o forró e a música caipira.

Fale dos seus discos...
O CrocoDilloGang (de 2004) resultou das minhas vivências nos palcos de Brasília nos anos 1990, que tinha muito o interesse pela guitarra elétrica. Eu e mais uma multidão de garotos passamos a tocar guitarra.O instrumento era atraente. Tanto que tive de deixar a sanfona de lado um pouco, primeiro porque ela era pesada demais e, segundo, era completamente demodê na escola, eu era até gozado pelos colegas por causa daquele trambolho. Tudo isso acabou me levando para a guitarra, porque era um instrumento portátil, eu podia dançar tocando no palco, coisa que a sanfona impossibilitava, além de ser altamente moderno. E, por meio da guitarra, eu podia passar a sensação da música ácida que produzia naqueles tempos, nos solos, dos riffs que mexiam com o pessoal da minha idade. O CrocoDilloGang é um CD de guitarrista para guitarristas.

Por que esse disco é cantado em inglês?
Porque a estética da música que está no CrocoDilloGang, na minha opinião, combina com a língua inglesa. Já no meu segundo disco, o Mestiço (2008), me aproximei mais dos pulsos rítmicos afro-brasileiros, assim ficou mais fácil cantar em português. Foi uma experiência muito confortável. Nesse disco eu recebi muito axé, fechei os olhos e deixei fluir toda a minha brasilidade, que se refletiu também na guitarra tocada, mais solta, porém, sempre presente. Não vejo muitas diferenças entre os dois trabalhos, eu estou neles até a alma.

Você está finalizando o DVD Música roqueira popular brasileira com grande parte do seu trabalho e com depoimentos sobre sua carreira. Não acha cedo fazer esse resumão de sua vida, afinal, aos 34 anos, você ainda nem chegou ao meio de sua estrada?

Eu consideraria cedo se estivesse falando de músicas de CrocoDilloGang para cá. Embora tenha sido lançado em 2004, esse CD foi gestado nos anos 1990. Quem teve grande influência nesse álbum foi Celso Salim, que acabara de chegar dos Estados Unidos com uma bagagem de informações técnicas que ajudaram a dar formato ao disco. Seria cedo falar sobre minha carreira se falasse apenas dos meus dois discos, mas o roteiro do DVD começa com a chegada dos meus pais em Brasília, imigrantes em busca do eldorado. Conto quando comecei a tocar sanfona na minha infância, em cima de caminhões durante comícios políticos. Tinha apenas 5 anos de idade, meu pai era sanfoneiro e envolvido em campanhas políticas pelo Goiás. Depois das apresentações do meu pai, eu subia e tocava quatro músicas, era um ;menino prodígio;, como a família dizia. O pagamento sempre era uma garrafa de Mirinda ou outro refrigerante. Conto 30 anos de experiências no palco, de vitórias e fracassos. Isso acaba validando o DVD.

A gravação de CDs ainda é seu objeto de desejo ou você já migrou para outras mídias, como o MySpace, YouTube?
Estou em todas essas redes de relacionamento. Comunico com meu público por meio dessas redes sociais. Agora, eu não pretendo deixar de lançar álbuns conceituais, mas o formato ainda precisa ser pensado.

O que você acha da geração rebolation? Você dançaria rebolation?
(Risos) Eu rebolo com minha guitarra, dançando a minha música. Nesse mundo rebolation, por mais que possa transparecer uma alegria, um desbunde... que se tenha o discurso ;eu gosto de música animada, gosto de extravasar, faço isso para ficar contente, beijar muito, etc;, ; eu vejo um vazio existencial enorme. Se você não agrega a essa ;felicidade; algo que tenha um valor artístico-poético intrínseco, você vai pagar um preço por isso lá na frente. Por exemplo: se eu for para o carnaval, dançar um montão, beijar um milhão de mulheres na mesma noite... eu certamente voltarei para casa sozinho, não terei recebido nada do ponto de vista poético com músicas tipo ;cara, caramba, caraô;. Vou embora para casa arrasado, porque as coisas que eu acho que têm valor na vida, como a boa poesia e a música bem elaborada, estão sendo deixadas de lado em troca dessa ;felicidade; instantânea e vazia. Eu me importo com isso. Por mais que eu tente me divertir com a geração rebolation, eu não vou conseguir, porque ficarei oprimido pela estética da música, pelo que está sendo cantado, pelo comportamento social coletivo de banalidade, está tudo nivelado pelo medíocre e isso, no meu caso, que me considero uma pessoa sensível, me fará sofrer. Ficarei completamente infeliz. Eu prefiro rebolar com a minha música.

No disco Mestiço (2008), cantado em português, você incorpora sons e ritmos tradiconais, com guitarras, pianos e uma pegada bastante pop. É um adeus ao rock pesado, de guitarras alucinadas rasgando os ouvidos? É efeito Rio de Janeiro, onde você está morando?
Parece que estou ficando velho (risos), mas garanto que minha fúria ainda está no som. Com certeza continuarei tocando guitarra visceralmente. Mas estou incorporando outras coisas, principalmente ritmos africanos. A internet possibilitou essa viagem musical pelo mundo. Estou descobrindo artistas da República dos Camarões, do Senegal... estou incorporando coisas maravilhosas.

O instrumentista vai bem. E sua voz? Como você está trabalhando sua voz?
Fiz aulas de canto um tempão com a Tahís Uessugui, de Brasília, e continuo praticando. Penso na minha voz como um instrumento, não sou um cantor com aquele padrão tradicional. Ela é mais um instrumento, como eu uso o cavaquinho, o piano... dentro daquela minha paisagem musical.

Quais são seus projetos para 2010?
Lançar meu DVD em maio, que é um trabalho autobiográfico. Temos um programa de lançamento que inclui Rio, São Paulo, Belo Horizonte, Recife, Porto Alegre e, é claro, Brasília. Em outubro, temos um convite para tocarmos em Copenhague, estamos buscando patrocínio para pagar as passagens. Encerramos a turnê do DVD Música roqueira popular brasileira em fevereiro de 2011, em Cannes, no Midem, que é uma outra feira musical.

Sexo, drogas e roquenrou. Este era o trinômio dos mitos dos anos 1970. E agora?
O rock morreu nos anos 1990. O suicídio de Kurt Cobain talvez tenha sido o fato mais emblemático da morte do rock, não há mais novidades. Hoje o rock é rótulo de suco, de tênis... o rock perdeu o perigo, a subversão. É apenas um produto, sem qualquer carga ideológica ou filosófica. Voltando ao início da entrevista, sobre aquele rapaz passivo, acomodado, ele se viu realizado em jogos como o guitar hero. Ele pega um brinquedo e fica em frente à televisão tocando a música que quer. Por isso, tocar guitarra hoje em dia é complatemente fora de moda. Não tem o menor valor hoje em dia se você for um baita guitarrista ou um fã do guitar hero. O rock hoje não passa de uma banalidade. O sexo é virtual, as drogas são sintéticas e o rock morreu.

 

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