postado em 26/02/2010 07:00
Renato Godá adora músicas que deixam o ouvinte na dúvida: isso é bom ou é cafona? Diz que tem essa sensação ao escutar algumas canções do canadense Leonard Cohen e do francês Serge Gainsbourg, dois de seus compositores preferidos. ;Gosto de andar na corda bamba entre o que é considerado brega e o que é tido como cult. É o caminho que busco;, afirma o paulistano de 39 anos, que também é fã do italiano Nino Rota (conhecido pelas trilhas de O poderoso chefão e de filmes de Fellini) e da música cigana do Leste Europeu e usa essas referências para escrever ótimas canções de amor, com um quê de requintado e vulgar.
O jeitão, quem for vê-lo hoje, às 20h, no Teatro da Caixa, pode confirmar: lembra Tom Waits. Ele acha graça, até porque não procura imitar ninguém, mas reconhece a semelhança com o cantor e ator norte-americano. ;Como ele, tenho pretensão teatral nos meus shows. Além disso, há o universo boêmio (nas letras) e o timbre de voz, que não é, digamos, de um cantor de Ídolos (risos). De certa forma, a gente bebe nas mesmas fontes. Vejo muito da música gipsy nas coisas dele;, comenta.
O clima é de cabaré enfumaçado, de cais do porto, de submundo. Nas letras, histórias de amor (não, não se trata amor romântico), prostitutas que envelhecem na madrugada, homens que bebem no balcão do bar ; cenário que ele conheceu bem (sim, há um quê de autobiográfico) e que tenta retratar com olhar poético, com uma certa doçura. ;Sou um pervertido/ Livre, leve e solto/ Um vagabundo astuto/ Um vira-lata escroto/ Mas você pode se divertir;, avisa, abusado, em Bom partido. ;Eu mudaria o mundo por você/ Silenciaria o carnaval/ Só pra falar de amor em seu ouvido/ Só pra ganhar um beijo no final;, canta, romântico, na faixa Em suas mãos.
No caminho
Bom partido e Em suas mãos são duas das sete faixas gravadas por Renato Godá há três anos, na base do improviso, sem maiores pretensões. Quando entrou no estúdio, inclusive com instrumentos como piano, acordeom e banjo, ele nem pensava em fazer daquilo um disco. ;Eram músicas que eu tinha e que não cabiam no meu repertório da época. Quis gravá-las porque estava muito interessado nelas e sem paciência para as antigas;, conta o compositor, que acabou descobrindo ali sua personalidade artística. ;São músicas que realmente têm a minha cara.;
Produzido por Apollo Nove, esse disco ; que caiu na rede antes de chegar às lojas, em 2009, via Rob Digital ; foi feito bem à moda Bob Dylan: em dois dias de estúdio, sem ensaio (um dos músicos que hoje o acompanha, o tecladista Adriano Magoo, ele conheceu ali na hora) e com sonoridade meio suja mesmo. ;Gosto dos takes à vera, no máximo dois ou três. Não tenho essa de gravar voz separada, é tudo ao vivo. Meu trabalho funciona melhor assim;, argumenta Renato, que acabou repetindo a fórmula no novo álbum(1), Canções para embalar marujos, também gravado em dois dias (mas desta vez depois de três ensaios).
Compositor desde cedo, Renato Godá não sabe nem dizer quantos anos tem de carreira. Acha que artista nasce artista. Com ele, pelo menos, foi assim. ;Aprendi a ver as coisas através do mundo artístico. Molequinho, adorava pintura e, dentro das minhas possibilidades de menino disléxico, adorava ler. Escrevia muito também. Era aquele aluno que ia mal nas matérias, mas gostava de redação. Tive uma professora de português que reconheceu isso, foi um grande estímulo. A arte me botou num rumo.;
Na verdade, ele não pensava em ser músico desde o início. ;Eu queria ser ator. E era um péssimo ator;, lembra. Um dia, por volta dos 17 anos, depois de ouvir de um diretor que passaria fome se dependesse disso (;Vai fazer música, vai;), acabou aceitando o convite de um amigo para uma canja num bar. O dono da casa gostou, quis uma temporada. ;Aí montei um repertório e as coisas começaram a acontecer;, diz Renato, que ao longo desses anos experimentou sonoridades diversas (do punk rock à música eletrônica), mas nunca foi o cantor da noite que habitualmente se vê por aí. No roteiro, apenas composições dele.
De bar em bar, ele acabou fazendo shows em casas da alta sociedade paulistana, como Baretto e Terraço Itália. ;Tenho uma coisa meio parecida com Cazuza, em relação a de onde veio, por onde transitou. Minha música tem um quê de beijo da Boca do Lixo na boca do luxo.; Com o charme do vira-lata que adora a chanson francesa, o gipsy, o folk e o jazz, ele também se apresentou numa badalada casa de Londres, a Momo, para uma plateia lotada de europeus que não entendiam nada de português. Sem tocar samba nem bossa nova, deu três bis.
RENATO GODÁ
Show do cantor e compositor paulistano e banda, hoje, às 20h, no Teatro da Caixa Cultural (Setor Bancário Sul, Q. 4 Lt. 3/4; 3206-6456 e 3206-9448). Ingressos: R$ 10 e R$ 5 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.
1 - As inéditas
Canções para embalar marujos, o novo álbum de Renato Godá, fica pronto na semana que vem. Produzido por Plínio Profeta, é um disco independente com 13 faixas ; 12 delas inéditas e uma regravação de Nasci para chorar (Erasmo Carlos). O show que ele apresenta em Brasília, com 50 minutos de duração, é um ;bem bolado; com algumas das novas canções e o repertório do espetáculo anterior. A banda é a mesma que gravou o CD: Adriano Magoo, Emerson Villani, James Müller e Zé Nigro.