postado em 01/03/2010 08:42
Walter Alfaiate, o compositor que fazia samba na medida, levou mais de 30 anos para cumprir uma promessa feita aos amigos Mical e Miúdo: gravar uma música deles em seu primeiro disco. Quando conseguiu, já tinha 68 anos de idade e 54 de peleja no samba. Miúdo já tinha morrido, mas Mical pôde ver o CD batizado com o nome da faixa deles, Olha aí, e chorar ao ouvir a gravação. Isso foi há 12 anos, quando o cantor ainda não podia tirar do bolso o cartão de visitas: "Walter Alfaiate, o magnata supremo da elegância moderna".
De lá para cá, o pessoal deixou de querer terno bem cortado, e a música, bem, não lhe rendeu lá essas coisas. Mas ele seguiu com as duas profissões, fazendo shows pelo Brasil - em 2007, saiu emocionado com a recepção da plateia do Feitiço Mineiro - e lançou mais dois discos (em 2003 e 2005), um deles em homenagem a outro amigo, Mauro Duarte. Queria ter gravado o quarto álbum em 2009, mostrando seu lado crooner. Não teve tempo. Morreu no sábado, às 17h05, em decorrência de falência múltipla dos órgãos, depois de dois meses de internação no Hospital da Lagoa, na Zona Sul do Rio. Ele sofria de enfisema pulmonar, ineficiência cardíaca, arritmia, insuficiência renal, gastrite e esofagite. Tinha 79 anos e sete filhos.
O enterro foi no fim da tarde, no Cemitério São João Batista, no Rio. O velório, na sede do Botafogo, começou por volta das 11h. Em cima do caixão, colocaram bandeiras da escola e do time do coração, a Portela e o Botafogo, e o chapéu panamá com que ele, malandro de fina estampa, costumava desfilar pelas ruas do Rio. Sempre elegante, sorridente, querido pelos amigos, Walter era recebido com festa em rodas de samba como a do Bip Bip, o pequeno bar do amigo Alfredinho, em Copacabana, que parava para ouvir as canjas do mestre de voz grave e interpretações memoráveis.
Um dos filhos ilustres de Botafogo, o bairro mais Zona Norte da Zona Sul do Rio, Walter Nunes de Abreu nasceu em junho de 1930 e foi criado na rua Álvaro Ramos. Menino, adorava subir o Morro de São João para comer frutas e ver Botafogo e Copacabana do alto ("Era lindo", dizia). Gostava de falar de suas lembranças de infância, tão diferentes das dos garotos de hoje que, das janelas dos apartamentos de Copacabana (para onde se mudou nos anos 1990 e instalou sua alfaiataria, na Galeria Ritz) "viam só urubu", em vez de passarinho.
Foi Paulinho da Viola quem lhe deu o nome artístico (junto com Sérgio Cabral) e quem gravou, nos anos 1970, suas três canções mais famosas: Coração oprimido, A.M.O.R. Amor e Cuidado, teu orgulho te mata. Autor de mais de 200 composições, Walter começou a escrever música aos 14 anos - a primeira foi para o bloco Lá Vai Um, exaltação ao bairro onde nasceu -, quando também arrumava o primeiro emprego, numa alfaiataria. Depois de 65 anos na peleja do samba, ele viu estrear, em 2009, o documentário Walter Alfaiate - A elegância do samba, dirigido por Vital Filho, Emiliano Leal, Paulo Roscio, Rommel Prata e Vitor Fraga. Uma homenagem mais do que merecida.