Diversão e Arte

Falado em nove línguas, espetáculo da companhia britânica Gecko adapta conto de Nikolai Gogol

postado em 11/03/2010 09:44
A São Petersburgo de Nikolai Gogol é cruelmente fria, miserável e perigosa. Se não fosse pela gélida ambientação do espetáculo O capote, adaptado do livro homônimo do escritor ucraniano pela companhia britânica Gecko, a história poderia ocorrer em qualquer lugar. A começar pelos diálogos. A montagem, que chega amanhã a Brasília para uma curta temporada de fim de semana, é falada em português, inglês, espanhol, italiano, japonês, francês, italiano, polonês e persa. A Torre de Babel imaginada pelo inventivo diretor Amit Lahav ; ele mesmo uma mistura de origens, nascido em Israel, radicado na Inglaterra e influenciado pela cultura do Leste Europeu ; vem ao Brasil, pela primeira vez, em turnê da companhia Gecko, que em 10 anos de estrada acumula passagens por 15 países e os importantes prêmios britânicos Time Out Live e Total Theatre. O capote de Amit Lahav é uma livre adaptação da história de Akkaki, escrevente de uma repartição pública que possui apenas um casaco surrado para se proteger do rigoroso inverno russo. Diferente do texto original, um conto de 18 páginas publicado por Gogol em 1842 em que o protagonista é um conformado copiador, o Akkaki do grupo Gecko é idealista, atormentado por pesadelos mais cruéis que sua pobreza e que sonha em conquistar a bela Natália, sua colega de trabalho. ;Quando o Gecko recebeu a proposta de fazer O capote, em virtude dos 200 anos de nascimento de Gogol, só foi aceito se a peça pudesse ser apresentada à maneira do grupo, partindo do teatro físico(1), com possíveis mudanças no texto;, explica a dançarina Natalie Ayton, escalada para o papel da moça. Com 10 anos de estrada, o grupo Gecko aposta tanto na interpretação dos atores quanto nos recursos de cena: viagem emocionalO resultado, uma viagem emocional em que diálogos são sobrepostos pela força dos gestos, música, iluminação, cenário e uso do palco, acompanha a luta do oprimido personagem pela ascensão de cargo. O capote, um sobretudo marrom com gola de pele, serve de metáfora para a conquista de status entre os funcionários, que comemoram cada promoção e idolatram o mais eficiente e endinheirado dos colegas. Em constante modificação desde a estreia, em 2009, O capote vem ao país com o carioca Vinícius Salles no principal papel, originalmente interpretado pelo próprio Amit Lahav. ;É uma grande responsabilidade entrar na companhia para interpretar o protagonista. Os atores costumam ter muito apego pelo personagem, e eu já entrei substituindo o diretor. Mas ao mesmo tempo é fantástico. Depois de um tempo como Akkaki, já conquistei minha própria interpretação do personagem, que é ao mesmo tempo hilário e triste;, conta o ator, que reside na Inglaterra há cinco anos. Rodrigo Matheus, fundador da companhia paulistana Circo Mínimo, também foi convidado a integrar a equipe na turnê brasileira. Além de atuar no espetáculo, é responsável pela montagem de aéreos. Múltiplas linguagens O jeito Gecko de fazer teatro amarra texto e interpretação aos recursos de cena, que têm papel tão importante quanto o dos atores. ;Os personagens se expressam por suas falas, mas não são elas que contam a história. Só junto a efeitos visuais e interpretação física que as pessoas entendem o que queremos dizer;, acredita a Natalie Ayton. Na visão do diretor Amit Lahav, se toda a plateia sai do espetáculo com a mesma compreensão da história, a companhia falhou em seu papel. A diversidade de interpretações é o foco em O capote, e, por isso, atores, músicos e equipe técnica propõe mudanças a cada ensaio. Para gerar múltiplos significados, a montagem alterna história linear a sequências oníricas, que abusam de recursos cênicos para elevar os atores pelos ares, fazer surgir novos cenários ou enfatizar uma emoção dos personagens com bullet-time(2) . ;É possível contar uma história de diversas formas. O principal ensinamento do Gecko é que não há limites para a criação;, enfatiza o ator húngaro Robert Luckay. A música configura importante ferramenta para a sugestão de sentimentos em O capote. Elaboradas pelo músico escocês Dave Price, as trilhas misturam jazz, ritmos ciganos e instrumentos da música tradicional romena. ;As influências são tão diversas quanto os personagens. Há elementos da cultura de cada um da equipe nelas, outras coisas em que me inspirei nos países que fizemos turnê;, detalha o compositor. 1 - Além do verbo Linha consolidada nos anos 1970, o teatro físico explora a arte da mímica como união de corpo, voz e criação cênica. O resultado é extremamente visual. A dramaturgia serve de suporte, enquanto a fisicidade do ator é enfatizada no resultado final da performance. 2 - Coisa de cinema O efeito bullet-time (tempo de bala, em inglês) foi popularizado pelo filme Matrix e virou mania nos filmes de ação. Para evidenciar movimentos extremamente rápidos, impossíveis de serem captados em película, o bullet-time recria digitalmente o movimento em câmera lenta, possibilitando também a visão da cena em diversos ângulos. O CAPOTE Amanhã e sábado, às 20h, e domingo, às 15h e 19h, na sala Martins Pena do Teatro Nacional. Com Vinicius Salles, Natalie Ayton, François Testory, Sirena Khalatian, Robert Luckay, Dai Tabuchi e Dave Price. Entrada franca mediante retirada de ingressos na bilheteria do teatro meia hora antes de cada sessão. Não recomendado para menores de 14 anos.

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