Diversão e Arte

Galinha Preta bomba e põe gasolina na carreira

postado em 13/03/2010 07:00 / atualizado em 19/10/2020 15:06

Sábado, 6 de março, fim de tarde no Conic. Uma inesperada e intensa chuva estraga a festa mensal de b-boys que se reúnem no pátio atrás do Teatro Dulcina para dançar. A água que cai incessantemente também interrompe a montagem de um palco em frente à loja de camisetas e revistas em quadrinhos Kingdom Comics. Mas os homens empenhados na função não param de trabalhar. Um deles, vestido de preto dos pés à cabeça, coordena a ação. Ele está determinado a concluir o serviço, com chuva ou sol. Seria assim em qualquer trabalho para o qual ele fosse contratado. Mas Frango, o homem de preto, tem um motivo especial para terminar de montar aquela estrutura: fazer o show de lançamento de Ajuda nóis aê, o novo disco de sua banda, o Galinha Preta.

Ajuda nóis aê! Segundo CD da banda brasiliense Galinha Preta. 14 faixas. Lançamento independente. R$ 5. Ouça em www. myspace.com/galinhapreta. ****A chuva dá trégua. A apresentação não será cancelada. Frango circunda a área do show com sal grosso. Curiosos e fãs da banda vão chegando em quantidade. Cerca de 300 pessoas se amontoaram por ali. Com algum atraso, o Galinha Preta entra em cena. O que se vê na sequência é um dos mais intensos ; e para alguns, o melhor ; show de hardcore de uma banda do Distrito Federal na atualidade. A cozinha, a cargo do baterista Guilherme Tanner e do baixista Bruno Tartalho, é pesada e precisa. A guitarra de Hudson ;Hells; André é rápida e barulhenta como uma serra elétrica. Frango é um show à parte. Durante as músicas, pula, grita, vai de um lado para o outro. Parece possuído. Nos intervalos, fala sem parar, faz gracinhas para o público. ;Senhoras e senhores, o Galinha Preta é uma banda eletrizante!”, brinca, depois de tomar um choque do microfone. O público reponde à altura cantando junto as músicas (no geral, curtas, curtíssimas, mal chegando a dois minutos de duração). Enquanto alguns parecem hipnotizados pela performance, os mais entusiasmados ;pogam; no meio da banda.

Nada muito diferente de um show de hardcore, certo? Mas o Galinha não é qualquer banda de hardcore. O diferencial do quarteto está naquilo que separa os esforçados de quem realmente tem algo próprio a oferecer. E, no caso deles, não se trata de um discurso inflamado, um trabalho instrumental inovador ou simplesmente uma performance ensandecida. É um pouco de tudo isso, mas feito de uma maneira original, que se tornou a cara da banda.

;Me identifico com as letras. Acho que elas aproximam o público da banda;, comenta o servidor público João Bezerra, 25 anos, devidamente vestido com uma camiseta do Galinha. ;As letras são cômicas, mas no fundo falam de coisas sérias;, explica. Estudante de arquivologia, Joab Oliveira, 22, acrescenta: ;Eles falam de coisas simples com as quais a gente se identifica, como pegar um ônibus ruim e lotado;.

Para o gráfico Moab Cavalcanti, 39 anos, o Galinha Preta renovou o fôlego do HC candango. ;Curti muito as bandas que surgiram e fizeram seu nome no começo dos anos 1990. Mas depois de um tempo, nenhum outro grupo do gênero me empolgava;, avalia. Para ele, o que faz o Galinha especial são elementos com os samplers que surgem no meio das músicas, a guitarra com influências de trash metal e, claro, a presença de palco do Frango. ;Ele é um showman incrível, um palhaço, o nosso Jello Biafra;, compara com o ex-vocalista do Dead Kennedys.

Personagem clássico do hardcore da cidade, o zineiro e vocalista Fellipe CDC reforça o argumento de que Frango é uma figura magnética: ;Ele é muito querido pelas pessoas, de pagodeiros a roqueiros. E no palco se torna um completo maluco. A febre do Galinha é verdade, tá pegando todo mundo;, brinca.

Mas com toda essa popularidade, estaria o Galinha Preta pronto (ou interessado) para a fama? ;Mantemos a banda na fucinheira, como um cachorro. Tem coisas que a gente não tem vontade de fazer. Televisão, por exemplo. Não é descaso, é vergonha mesmo. Imagina os nossos avós vendo essa podreira na tevê! Tentamos manter o controle quanto a isso (a popularidade). Mas tem até criança que gosta da gente;, afirma Hudson, 33 anos. Único remanescente da formação original (surgida há oito anos), ele diz que o Galinha está em sua melhor fase, mas o objetivo principal do grupo continua se divertir, desestressar.

;A banda era só uma válvula de escapa mesmo. Mas tomou um tamanho doido. Só fui perceber isso depois que nós acabamos pela primeira vez (há três anos). Lembro de gente como os produtores Tom Capone e Carlos Eduardo Miranda vindo falar comigo que curtiam o Galinha;, conta Rodrigo Gonzales, 33, o Frango. ;Mas se eu ficar só tocando com o Galinha não trampo mais com montagem de palco e som, que é o meu trabalho. E não quero fazer essa troca;, explica o vocalista.

Na encruzilhada entre o underground e a fama, Frango garante uma coisa: a banda está disposta a tocar mais. ;O disco tem conseguido uma resposta legal. E como é vendido por R$ 5, já está indo para a segunda tiragem. No horóscopo chinês, este é o ano do Galinha Preta!”

GALINHA AO VIVO
A banda toca amanhã no festival Fora do Eixo ao Extremo. Hoje e amanhã, às 17h, no Blackout Bar (912 Sul, Clube Cedec, atrás do Colégio Setor Oeste). Hoje: Hellena, Lost in Hate, Illustra e as Forsaken (Chile) e Nouvelle Gaia (Chile). Amanhã: Que Passa Cabron, Death Slam, Cabeloduro, Galinha Preta e Inkognitta (SP). Ingressos (por dia): R$ 10. Não recomendado para menores de 18 anos.

; Crítica
Efeito instantâneo


Nas músicas de Ajuda nóis aê, crítica social e irreverência andam juntas. As letras sobre poluição, ganância, estupidez humana , corrupção, violência urbana, impunidade ou pura tiração de sarro são apresentados não como dissertações, mas como pílulas sobre cada assunto. E o efeito é instantâneo. Frango grita e se esgoela, mas o faz de maneira clara para o bom entendimento do ouvinte. A banda é rápida e precisa. Piscou, perdeu. No meio do hardcore, samplers de discursos políticos, as últimas palavras do padre voador, um coral de crianças e cachorros latindo.

No disco, o som do Galinha Preta está mais direto e mais acelerado, mais punk e menos metal. Mas eles não chegam a se reinventar. E nem precisam. O que eles oferecem é mais uma leva de petardos sonoros cheios de ironia, fúria e bom humor (Saco plástico, Urso polar, Padre baloeiro e Leis). Músicas que já merecem seu lugar no rol do HC brasiliense. Aprecie sem moderação. (PB)

Música Padre baloeiro, do disco Ajuda nóis aê, da banda brasiliense Galinha Preta


Música Saco de plástico, do disco Ajuda nóis aê, da banda brasiliense Galinha Preta

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