Diversão e Arte

Relançamento de disco de 1980 mostra o quão bom sambista era Mussum

O trapalhão virou um ícone pop

postado em 14/03/2010 10:00

O trapalhão virou um ícone popO mais alegre dos Trapalhões não era um personagem. Antonio Carlos Bernardes Gomes, o Mussum, era daquele jeito mesmo, um palhaço adorável que não perdia piadas nem amigos e mantinha no rosto o sorriso largo que hoje estampa camisetas de norte a sul do país. Morto há 15 anos e transformado em símbolo pop, Mumu da Mangueira, o malandro que não largava a cachaça (ops, o ;mé;) e acrescentava a terminação ;is; a algumas palavras (na internet, há até tradutores português-mussunzês), está de volta com outra faceta, menos conhecida, mas tão boa quanto a de comediante: a de sambista.

Pois bem, não era à toa que Mussum fazia cara feia na televisão quando escutava um samba ruim. O cara era bom, muito bom nisso. E foi por causa do jeito engraçado com que comandava Os Originais do Samba, grupo fundado por ele nos anos 1960, que acabou virando um dos Trapalhões. ;Ele era muito brincalhão. Fazia samba com humor, cantava fazendo gestos, caretas;, lembra o baterista Wilson das Neves, que o conheceu tocando na noite, com Os Originais. ;Eu trabalhava com Elizeth Cardoso e às vezes a gente se encontrava nos aeroportos. Ele a chamava de bruxa, ela ria muito. Mussum era assim, espontâneo. Uma figura maravilhosa. Falar dele é falar de irmão. Não tem defeito (risos).;

Depois de mais de uma década à frente dos Originais do Samba, Mussum estreou em carreira solo em 1980, pela RCA Victor, com um LP batizado com seu nome, agora relançado pela Sony Music. Ainda faria mais um pela RCA (que também deve ser relançado pela Sony) e outro pela Continental. Wilson das Neves tocou bateria nos dois primeiros. José Milton, que foi vocalista de estúdio dos Originais, produziu os três álbuns. ;Esses discos até hoje são clássicos nas rodas de samba;, comenta o produtor. ;Mussum foi um dos melhores ritmistas que o Brasil já teve, tocou em gravações de muita gente. Era um cantor muito bom, versátil, e foi um dos primeiros, junto com Beth Carvalho, a gravar Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Jorge Aragão, Beto Sem Braço, a turma do Cacique de Ramos.;

Entre amigos
Mussum, o disco, reúne 11 faixas ; Aragão, Guineto e Sem Braço estão nos créditos de três delas ; que dão o retrato do intérprete que gravava tanto samba romântico (Um amor em cada coração, de Baden Powell e Vinicius de Moraes) quanto bem-humorado (Nega besta, de Arnaud Rodrigues, e a impagável A vizinha, aquela do ;pega ela, peru;, composta por Paulinho Durena e Alfredo Melodia). Variado, bom ;pra cacildis;, o álbum traz também um samba-enredo que Martinho da Vila não conseguiu emplacar em sua escola (Teatro brasileiro); uma cantiga de roda de Eduardo Gudin e Paulo César Pinheiro (Terra de Jó), e até uma aula de história de Geraldo Babão e Walter Moreira, Descobrimento do Brasil, gravada com a participação de Didi, Dedé e Zacarias.

;Eram músicas de que ele gostava, a gente tinha repertório para fazer 10 discos;, conta José Milton. ;Mussum era muito musical, cantava, tocava vários instrumentos. Tocava o reco de metal como ninguém toca até hoje. E a convivência com ele era maravilhosa, sempre uma festa, com muita cerveja e baixa gastronomia. Sinto muita saudade dele, como amigo e como companheiro de trabalho, em estúdio. Tenho muita saudade, mesmo.;

O forrozeiro Chico Salles foi outro que conviveu bastante com Mussum nesse início de carreira solo no samba. Eram vizinhos, moravam no mesmo condomínio em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Lá, criaram um bloco de carnaval chamado Elas e Elas, em que os homens se vestiam de mulheres, e vice-versa. ;Cada ano a gente fazia uma música para o bloco. Um desses sambas chamava-se Quer alho? ;Quer alho, meu bem, na sopa? Quer nabo, meu bem, na boca?;, cantarola Chico, num sorriso solto lembrando a ;finesse; dos versos que fazia com o parceiro. ;Éramos amigos de farra, de botequim, de cantar, de ir a show. Participávamos da vida cultural da cidade de forma intensa e assídua. Mussum era um grande sambista e uma pessoa muito bem-humorada. Sempre brincalhão, sempre animado. Onde estava o Mussum, estava a alegria.;

Entre os novos nomes do samba carioca, é difícil encontrar alguém que goste mais do ritmista do que do comediante. Até porque todos eles, quando meninos, adoravam Os Trapalhões. O cantor Pedro Paulo Malta, que gravou discos como Cachaça dá samba (ao lado de Alfredo Del Penho), na infância até sabia que o humorista era mangueirense, coisa e tal, mas na época ainda não ligava para o telecoteco. Gostava mesmo era do malandro da tevê. ;Sempre fui muito fã dele;, conta. ;Quando algum amigo da rua propunha brincar de Trapalhões, eu sempre escolhia o trapalhão do mé, do forévis e do maior sorriso do quarteto. A turma achava graça. Como é que o moleque branquinho escolhia sempre o Mussum, se todo mundo queria mesmo era ser o Didi? Eu estudava nos Estados Unidos em 1994, quando recebi a notícia da morte dele, numa carta da minha melhor amiga, e chorei demais. Dizia que ele tinha recebido um transplante de coração, mas que mal aguentou a Copa... Lembro como se fosse hoje dessa tristeza que me pegou ainda curtindo os ecos do tetra.;

MUSSUM
Primeiro disco solo do cantor, produzido por José Milton.
Relançamento Sony Music, 11 faixas. Preço médio: R$ 20. ****

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