Diversão e Arte

Hollywood se rende à diretora do longa Guerra ao terror

Prestes a filmar no Brasil, ela não quer abandonar o estilo valente

postado em 14/03/2010 10:25
A data foi uma coincidência feliz: na véspera do Dia Internacional da Mulher, Kathryn Ann Bigelow subiu no palco do Kodak Theater, em Los Angeles, para fazer um discurso histórico. A californiana de 58 anos, alta e tímida, enterrou um tabu ao consagrar-se como a primeira cineasta premiada com um Oscar de direção. ;É o momento da minha vida;, admitiu. Nos dias seguintes à cerimônia, houve quem notasse a ausência de um tom combativo ; talvez com um quê feminista ; na fala da vencedora. A homenagem concentrou-se nas pessoas que inspiraram Guerra ao terror, o melhor filme do ano segundo a Academia de Hollywood: os soldados e as famílias de militares massacrados pelo cotidiano dos conflitos no Iraque. Elegantemente, a campeã da noite desviou das cobranças.

Quem conhece a trajetória da autora, no entanto, entendeu o recado: há 25 anos, Kathryn defende um estilo que rejeita todos os cacoetes associados pela indústria ao público feminino. Nunca dirigiu comédias românticas ou melodramas chorosos. O intimista O peso da água (2000), pouco visto, soa como uma exceção numa filmografia empapada em sangue e suor, dominada por tipos masculinos. As estratégias usadas pelo cinema para representar a violência fascinam a diretora desde os tempos de faculdade, quando estudou teoria e crítica na Universidade de Columbia. O plano da estudante era criar filmes que instigassem o poder emotivo da linguagem cinematográfica. Enfrentou o desafio ; e com as armas menos óbvias.

Numa década em que autores como David Cronenberg e David Lynch testavam os limites do suspense e do horror, Kathryn tomou uma estrada radical logo nos primeiros longas-metragens. A estreia, The loveless (1982), seguiu a arrancada de um motoqueiro outsider. Mas foi no segundo filme, Quando a escuridão chega (1987), que pregou uma peça nos fãs de terror com um misto inusitado de faroeste e fitas de vampiro. A experimentação com gêneros populares continuou em Blue steel (1990) ; a caçada de um serial killer, no encalço de uma policial (Jamie Lee Curtis) ; e na ficção científica sombria Estranhos prazeres (1995), escrita e produzida pelo ex-marido James Cameron, com quem viveu entre 1989 e 1991.

Decepcionada com o repertório dos grandes estúdios, que a ofereciam comédias adolescentes machistas, a diretora resolveu tomar o próprio rumo. ;Para filmar os temas que me intrigavam, percebi que seria necessário arquitetar meu destino;, afirmou ao New York Times. Sucessos de bilheteria, por isso mesmo, rareavam. A aventura Caçadores de emoção (1991), com Patrick Swayze, superou a barreira dos US$ 50 milhões arrecadados, tal como o drama de guerra K-19 ; The widowmaker (2002), com Harrison Ford. Mas Kathryn sempre brigou pelo controle de produções financiadas por investidores independentes. Em Guerra ao terror, fez questão de encenar com realismo uma trama escrita pelo repórter Mark Boal (também vencedor do Oscar). Filmou no Oriente Médio com atores pouco conhecidos.

O próximo projeto confirma o interesse por obras com alma de reportagem. Em Triple frontier, novamente em parceria com Boal, a diretora vem à América do Sul para retratar a violência na região fronteiriça entre Brasil, Argentina e Paraguai ; área sempre suspeita de esconder grupos terroristas. ;Minha maior habilidade é explorar a linguagem. Nos meus filmes, não estou interessada em quebrar convenções de gênero;, avisou. Ao derrotar no Oscar a megaprodução Avatar, abriu precedentes para um cinema urgente e corajoso. Uma vitória também das mulheres, é claro ; mas não será Kathryn quem levantará essa bandeira.

GUERRA AO TERROR
(The hurt locker, EUA, 2008, 131min, não recomendado para menores de 14 anos). De Kathryn Bigelow. Com Jeremy Renner, Anthony Mackie e Ralph Fiennes. Confira salas e horários no Roteiro.

Quatro vezes Bigelow
Quando a escuridão chega (1987)
; O objetivo da cineasta era filmar um faroeste incomum. Para engordar o orçamento do segundo longa-metragem da carreira, mesclou o gênero com um modismo dos anos 1980: o filme de vampiros. Incompreendido pelo público à época do lançamento, tornou-se cult.

Caçadores de emoção (1991)
; O maior sucesso da diretora se beneficiou do apelo dos astros Keanu Reeves e Patrick Swayze. O thriller acompanha o trabalho arriscado de um agente do FBI que se infiltra numa quadrilha de surfistas. O dilema moral turbina a ação quando o mocinho descobre afinidades com os bandidos.

Estranhos prazeres (1995)
; Uma fita excêntrica de ficção científica que, escrita e produzida pelo ex-marido James Cameron, usa elementos da literatura cyberpunk para compor um futuro brutal. Voyeurismo e banalização da violência são alguns dos temas instigados por uma fita sem fôlego comercial.

O peso da água (2000)
; A adaptação do livro de Anita Shreve destoa de tudo o que Bigelow dirigiu: introspectivo e com algum tom autobiográfico, alia drama e suspense numa narrativa que alterna dois casamentos fracassados. Produzido em 2000, só chegou aos cinemas dois anos depois. E sem provocar maremotos.

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