[SAIBAMAIS]Em 1962, um curso de formação em técnica cinematográfica ministrado por um então desconhecido nome do cinema sueco ; pelo menos no Brasil ;, Arne Sucksdorff, mudaria de vez os rumos da sétima arte no país, dimensionando em proporções reais as bases do mais importante movimento do gênero: o Cinema Novo. Ao desembarcar no Rio de Janeiro, a convite da Unesco, trazendo na bagagem equipamentos modernos como as famosas câmeras de 35mm Arriflex e de 16mm Éclair, uma mesa de montagem Steenbeck, junto com gravadores, refletores, tripés e outros aparatos essenciais à arte, o diretor escandinavo iniciou jovens como David Neves, Dib Lutfi, José Wilker, Vladimir Herzog , Eduardo Escorel, Glauber Rocha, Leon Hirszman, Nelson Pereira dos Santos e Ruy Guerra, entre outros, nos meandros da produção propriamente dita do ofício. Aos 22 anos, ainda imberbe e com olhar distante das câmeras, Arnaldo Jabor ocupava a função de um dos tradutores do artista em solo nacional.
;O curioso era que existia uma grande resistência em relação a ele na época por parte dos integrantes do Cinema Novo, que achavam seu cinema clássico, polido demais, logo eles que faziam um cinema de vanguarda. Era para vir (documentarista francês) Jean Rouch, mas ele não podia;, conta o cineasta e professor Sérgio Moriconi, curador de mostra que resgata, a partir desta terça-feira, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), parte da obra do diretor sueco.
Humanista
São 14 títulos compreendidos entre seis longas, um média e sete curtas, entre eles o relevante documentário Ritmos da cidade, o primeiro Oscar da história da Suécia, conquistado em 1949. ;É simplesmente uma obra-prima, na qual ele mostra a relação da arquitetura com as pessoas a partir de flagrantes impressionistas;, resume Moriconi. ;O objetivo da mostra é valorizar a importância dele para o cinema brasileiro, mostrando que, embora tecnicamente tivesse um estilo artesanal, ele era um humanista, e por isso dialogava com o movimento por trazer questões envolvendo pessoas oprimidas;, observa Moriconi.
Aluno de Arne na época, o ator José Wilker, então com a idade de 14, 15 anos, lembra-se da experiência marcante que foi participar do curso ministrado pelo sueco. ;Todo mundo que fez ou faz cinema no Brasil de algum modo passou pelo curso de cinema do Sucksdorff. Ele foi formador de toda uma geração de cineastas brasileiros;, observa Wilker, que participa , na próxima terça-feira, dia 23, de debate com o público ao lado de Vladimir Carvalho, outro aluno de Arne.
;Há uns quatro anos, cinco, talvez, participei de uma conferência em Cannes, do Max von Sydow (ator sueco), uma master class dele e fiquei surpreso. Impressionado como esses suecos são preparados, como esses caras que trabalham com cinema e teatro na Suécia são articulados para explicar aquilo que pensam e aquilo que fazem. Esse encontro, como em Cannes com Von Sydow, me lembrou o tempo todo as aulas que eu tive com o Sucksdorff;, recorda o ator. ;Ele não era uma pessoa que ditasse regras e determinasse que tinha que ser dessa e daquela forma. Ele era uma pessoa que se colocava diante de nós compartilhando com a gente a experiência que tinha de ver e fazer cinema;, conta Wilker, que após seis meses de curso abandonou as aulas para trabalhar na produção do filme Cabra marcado para morrer, de Eduardo Coutinho.
Nouvelle Vague
Embora fosse visto, num primeiro momento, com olhares atravessado spor boa parte dos alunos, que achavam seu cinema convencional, Sucksdorff ; também premiado com duas Palmas de Ouro em Cannes e prêmio especial do Festival de Veneza ; teve papel fundamental na solidificação do Cinema Novo no país. Não só apresentou aos alunos o que havia de mais moderno na área, da Nouvelle Vague ao cinema japonês, como os introduziu no processo de produção da sétima arte, forjando nomes importantes da corrente, como o câmera Dib Lutf e o diretor de fotografia Eduardo Escorel.
Para se ter ideia do tamanho dessa influência, foi na moviola da marca Steenbeck, trazida por Arne da Suécia, que Leon Hirszman editou o seu Maioria absoluta. O seminal Os fuzis, de Ruy Guerra, e Terra em transe, de Glauber Rocha, também passaram pela máquina. Por essas e outras contribuições é que Arne ficaria conhecido como o cineasta do Cinema Novo. ;Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos, também, ou seja, os principais filmes do Cinema Novo, de alguma maneira, foram influenciados tecnicamente pela vinda de Sucksdorff ao Brasil;, destaca o curador Sérgio Moriconi.
Um dos resultados das experiências da passagem de Arne pelo Brasil pode ser compartilhado pelo público na mostra com a exibição do curta Marimbás. Projeto final do curso ministrado pelo diretor sueco, o filme, com 10 minutos de duração, foi dirigido pelo jornalista Vladimir Herzog e traz como registro o cotidiano de um grupo de pescadores cariocas que sobreviviam a partir de pequenos negócios realizados no Posto 6 da Praia de Copacabana.
Ouça entrevista com o ator José Wilker