Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

No terceiro disco da carreira, gravado em Brasília, Superguidis sai da adolescência sem abandonar a simplicidade

Fã. A palavra miúda ; cobiçadíssima por aspirantes a superstars ; ainda soa como um ruído desconfortável para o Superguidis. ;Não gosto, acho pretensiosa. Há pessoas que curtem a nossa banda. Mas fãs? É forte;, afirma o vocalista e guitarrista Andrio Maquenzi, 26 anos. Não se trata de mera questão de semântica. Nem de falsa modéstia. Com naturalidade, o quarteto gaúcho dilui a distância que costuma afastar os ídolos dos mortais. ;Somos jovens suburbanos que ralam. Pegamos trem lotado para ir à faculdade e ao trabalho. Acho que por isso as pessoas acabam se identificando;, arrisca.

Esse papo franco, sem sinais de pedantismo, explica por que o ;círculo de amigos; não para de crescer. Quando o novo álbum da banda vazou na internet, há uma semana, o Superguidis entrou na lista dos assuntos mais concorridos do Twitter (os chamados ;trending topics;). De imediato, a torcida espalhou a bolachinha virtual em blogs, que retribuíram com resenhas entusiasmadas. Esse traquejo para comunicar-se de igual para igual com o público ; como num chat, ou numa mesa de bar ; colabora para um status inquestionável: no circuito independente, eles já são grandes.

O terceiro disco, apelidado simplesmente de Superguidis, comprova essa posição de destaque na cena. Lançado por dois dos selos brasileiros mais representativos ; a Monstro Discos, de Goiânia, e a Senhor F Discos, de Brasília ;, o projeto não esconde certa ambição. Produzido no Lago Norte por Philippe Seabra (da Plebe Rude) e mixado nos Estados Unidos, envolve a ;guiterreira; indie, herdada do rock alternativo dos anos 1990, em arranjos de cordas e versos mais introspectivos. Por mais que a banda tente reduzir as expectativas, o momento é de transição.

Quem os acompanha deve se preparar para mudanças, ainda que sutis. ;O disco ficou um pouco diferente do outro, mas foi sem querer. Nos permitimos ser um pouco mais ;over;, mas nem tanto. Não tem nenhuma filarmônica;, adianta Andrio.

As transformações começaram a aparecer quando o guitarrista Lucas Pocamacha (que escreveu cinco entre as 11 faixas do disco) propôs o uso de um software simulador de cordas, que inspirou a melancolia de Roger Waters, a canção de abertura. ;Tentamos sair do óbvio. Faz parte da nossa evolução como compositores;, admite Andrio.

Não é no campo melódico, no entanto, que eles seguem um rumo mais maduro. Sem fazer cenas, versos de canções como Não fosse o bom humor, De mudança e O usual tratam das inseguranças típicas do fim da adolescência. ;Escrevemos tudo de um jeito muito espontâneo. Entre um disco e outro, me desgarrei de casa, fui morar com a minha mulher. Chegou a hora de falar sobre essa fase;, explica Andrio. ;Houve uma mudança, sim. O que acontece é que todo mundo faz aniversário, né? Todo mundo envelhece. Não me vejo mais fazendo letras meio bobas;, confessa.

Férias
Na labuta por uma sonoridade ;gordona, com guitarras sujas e altas;, o Superguidis (formado ainda pelo baixista Diogo Macueidi e pelo baterista Marco Pecker) frequentou por 20 dias o estúdio de Seabra, onde gravaram o álbum anterior. Aproveitaram as férias para fazer a longa viagem de Porto Alegre (e Guaíba, onde parte da banda mora) à capital. ;Tratamos Brasília como um segundo lar. É um pouco chato ficar longe da família, mas o clima de isolamento ajuda na hora de gravar;, conta Andrio. ;O legal da cena independente é essa descentralização. Vamos fazer show em Rondônia, por exemplo. E nunca estivemos lá;, observa. Seabra turbina a banda: ;Tem um amadurecimento nas letras do disco. O Andrio está escrevendo sobre temas como relação a dois, por exemplo. Meu trabalho foi simplesmente dar o maior punch possível a isso. Como o show da banda é muito forte, a ideia foi manter a sonoridade crua e o mais fiel possível;.

Se esse rock ainda soa simples como ;um par de tênis furado; (como resume a letra de Aos meus amigos), esbarra no muro alto que separa os independentes das rádios. ;O problema são as limitações desse nosso mainstream, que é um pé no saco. O que tentamos é transitar nesses meios sem precisar cortar o cabelo feito emo;, sintetiza Andrio. A ideia de abreviar essa trajetória, aliás, está fora do baralho. ;Me vejo seguindo esse caminho por pelo menos mais uns 10 anos. Isso é o que mais gostamos de fazer na vida. Não tem por que largar;, diz. E que o fã-clube (ops) durma tranquilo.

Crítica ***
Sinceridade a toda prova


Quando o Superguidis resolveu fechar o sorriso e falar sério (no corajoso A amarga sinfonia do superstar, de 2007), houve quem sentisse falta do espírito bem-humorado do álbum de estreia. O que era jovialidade virou aflição. Mas, em vez de tomar o caminho de volta, a banda preferiu olhar para a frente. Isto é: sem trair a própria trajetória (ou engabelar os fãs), eles gravaram mais um disco que se deixa moldar por experiências pessoais. E que, nos melhores momentos, soa como páginas aflitas de diário.

Sinceridade não falta às crônicas de um quarteto que, talvez inspirado pelas confissões brutas de um Kurt Cobain, Dinosaur Jr, Pavement e Foo Fighters são outras referências deste indie rock traduzido para o português), grita as incertezas da ;adultescência;. ;De repente o medo de morrer sozinho me incomoda mais que o usual;, admitem, em O usual (de Lucas Pocamacha). E fazem alguma graça do desespero em Não fosse o bom humor, de Andrio Maquenzi (;Um psiquiatra cairia bem, não fosse o bom humor;).

É uma pena que essa angústia não tenha afetado as melodias, ainda estagnadas numa fórmula de guitar rock sem muitas surpresas. Mas o Superguidis compensa essa limitação com o pulso de um discurso honesto, espelho imperfeito do cotidiano. E esse é um trunfo que, no indie nacional, quase ninguém tem. (TF)