Nahima Maciel
postado em 23/03/2010 07:00
O herói nacional da Polônia é um compositor, pianista de dedos finos e mãos femininas, pulmões frágeis e sensibilidade aguçada. Frédéric Chopin nunca pegou em armas, sofria de tuberculose e nem sempre morou na Polônia, mas é o nome próprio mais conhecido em solo polonês. Gravado milhares de vezes e tocado outras centenas em concertos anuais, ele dá nome ao concurso mais importante do mundo do piano e à meia dúzia de festivais de música erudita.
É tão pop que há quem se permita improvisar em ritmo de jazz sobre suas peças. E tão adorado que outros não admitem um deslize sequer na execução de suas obras. Para celebrar os 200 anos de nascimento do compositor, a Embaixada da Polônia traz ao Brasil um pouco de cada opção. Hoje, o pianista Krzysztof Jablonski toca o Concerto para piano n; 1 com a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro e amanhã se apresenta com o conterrâneo Adam Makowicz, especialista em transformar o sentimentalismo chopiniano em jazz.
Para Jablonski, a popularidade de Chopin só perde para os primeiros acordes da Sinfonia n; 5 , de Beethoven, e a melodia inicial dos violinos no Concerto para piano, de Tchaikovsky. ;No entanto, a linguagem musical dele é única e toca muito mais o coração das pessoas. Acho que é por causa disso que as pessoas gostam tanto dele;, diz o pianista. ;Sua música é clássica, mas é como música popular, porque fica na cabeça, e você pode reconhecer como uma música nacional, entra tão fácil no coração, é como boa comida. Se você gosta de boa comida, mesmo que seja a primeira vez que come algo, se for bom você vai gostar. Chopin fica no coração por muito tempo. É pop, fácil de digerir e lembrar;, compara Makowicz.
Chopin já havia escrito muitas valsas e noturnos quando compôs seu primeiro concerto para piano, apresentado ao público, por ele mesmo no papel do solista, em 1830. Prestes a emigrar para a França, o artista se despediu de Varsóvia com essa peça em três movimentos costurados por um lirismo comovente. Uma longa introdução liderada pelas cordas da orquestra prepara o público e aflora o sentimentalismo para a entrada do piano no primeiro movimento, mas é no módulo seguinte que está concentrado todo o romantismo da peça, especialmente nas cinco primeiras notas do piano.
Preferidos
Chopin só escreveu dois concertos para o instrumento. Nos dois, a orquestra tem forte papel de acompanhante e nunca chega a realmente tomar a dianteira da peça ou se embrenhar em complexos diálogos. A cena é do piano, por isso o concerto não costuma estar entre os preferidos pelos músicos de orquestra. ;É verdade que não foi escrito como as sinfonias de Beethoven ou Brahms. No entanto, essa música merece atenção e, quando executada lindamente, fica muito maior do que parece ser numa primeira impressão. Nós, músicos, dizemos às vezes que quanto menos notas tivermos para tocar mais difícil fica, porque temos que colocar toda nossa imaginação musical em uma única simples nota para fazê-la soar grande;, garante Jablonski, que gravou a peça com a Orquestra Sinfônica da Cracóvia e no sábado passado tocou o concerto sob regência de Krzysztof Penderecki no Festival de Abu Dhabi. ;Há muitas notas longas no trabalho de Chopin para piano e orquestra e, se o coração de alguém e a mente estiverem dormindo enquanto toca, então ficará realmente um tédio. No entanto, as coisas mudam milagrosamente quando a criatividade acorda.;
No caso de Adam Makowicz, a criatividade passa à frente do que Chopin deixou escrito. Com formação clássica, o pianista fez um desvio em direção ao jazz e se embrenhou por essa seara há mais de 33 anos, mas nunca deixou o compositor para trás. No disco Reflections on Chopin, Makowicz improvisa jazz com base nas melodias do compositor. ;Extraio as melodias básicas de Prelúdios, Scherzos ou Noturnos e mudo. Em outras palavras, tento compor usando original melodias de Chopin e minhas impressões.; No recital de amanhã, Makowicz e Jablonski tocam juntos alternando as peças originais e os improvisos jazzísticos. ;A ideia é que ele termine uma peça e eu comece imediatamente a improvisar, sem break, como se mudasse da música do século 19 para o século 20;, diz o pianista.
Duas perguntas para
# Adam Makowicz
Melodicamente, em que resulta Chopin em forma de jazz?
Você vai sentir o swing que é o elemento básico do jazz, você pode, às vezes, ouvir um pouco de bossa nova e outros estilos, porque são melodias que parecem nos prelúdios, são melodias muito doces. Aprendi no conservatório toda a base clássica, incluindo Chopin, mas toda minha vida toquei jazz e isso veio junto naturalmente porque cresci com a música de Chopin. Era natural que Chopin entrasse na minha imaginação, sinto-o da mesma forma que Gershwin ou Cole Porter.
Chopin é propício ao improviso jazzístico?
Também toco Bach, mas Chopin é mais transformável em jazz, é mais fácil de lembrar, é como a música popular, está na memória. É muito fácil improvisar e tocá-lo. As pessoas reconhecem em qualquer lugar, é como Gershwin.
# Krzysztof Jablonski
Chopin é muito tocado e gravado pelos maiores pianistas da história do piano. O que você acha que poderia ser novo em uma leitura contemporânea?
Deve sempre haver algo novo em todas as performances já que somos todos pessoas diferentes com diferentes personalidades. Música é tão capaz que há muito espaço para desenvolver sua própria linguagem musical preservando as ideias e intenções originais do compositor. Música refletia e ainda reflete o que está acontecendo em nossos corações, cérebros e almas. Nós somos diferentes hoje porque o mundo à nossa volta também é diferente. Esse é o motivo pelo qual a música nunca será um tédio. No entanto, fica cada vez mais difícil para os jovens entenderem a música mais velha, escrita quando as pessoas ainda tinham tempo para escutar passarinhos cantando, árvores sussurrando e o vento movendo gentilmente nos galhos das árvores, quando as pessoas falavam com as outras e também ouviam as outras.
Na sua opinião, em que o público deve prestar atenção na música de Chopin?
Tudo depende do músico. Nós direcionamos a atenção das pessoas para certos elementos da música. Temos o poder de forçar as pessoas a ouvir música da maneira como queremos que elas ouçam. Se, por acaso, a melodia tiver prioridade na minha performance, as pessoas vão notar. Se eu der prioridade às harmonias, minha audiência também vai notar. Se o ritmo for minha preferência, isso vai para o topo em detrimento do resto. A coisa mais difícil é mostrar às pessoas tudo ao mesmo tempo e tornar possível que reconheçam cada elemento individual da composição ao mesmo tempo.
Ouça trechos do Concerto para piano n; 1 interpretado pela Sinfônica de Varsóvia e das Polonaises interpretadas por Adam Harasiewucz