Ricardo Daehn
postado em 23/03/2010 07:00
Chacoalhando geral (de boné branco, com três dançarinos, em ode setentista, e efeito de lantejoulas nas vestes), o seu Francisco, motorista da UnB, foi quem, sob o codinome Queen, abriu o Show Nota 10, domingo à noite, no Riacho Fundo I. ;O The Funk Brothers é isso: viemos de Ceilândia, do Riacho Fundo e da Candangolândia para mostrar a cultura funk que a gente nunca esquece;, disse o dublador, entre outros, de James Brown. O grupo, formado em 1983, foi apenas o aperitivo para a apresentação da Banda Olodum, que entrou três horas depois do previsto no evento duplamente beneficente: a) exaltando os feitos de jovens artistas que despontam numa obra de reintegração social; b) os shows, como anunciado no palco, eram ;0800, pra comunidade.; Três mil pessoas, algumas munidas de dois quilos de donativos, atenderam ao chamado para as atividades próximas ao Terminal Rodoviário.
Frutos, como a doação de R$ 40 mil (saídos do cachê do Olodum), foram colhidos, a partir da iniciativa da cineasta e agitadora cultural Núbia Santana. Depois de passar fome no ;sertãozão; pernambucano, ainda na infância de carvoeira, ela abraçou o compromisso de, independentemente do governo, impulsionar o projeto. ;Quando fiz o documentário Pra ficar de boa, mostrei um menor que admite um homicídio, depois da troca de uma bicicleta por um videogame, em seguida trocado por uma arma. Indo atrás dele, ouvi de um amigo que, se não ajudasse ele a arrumar um trampo, ele voltaria pro crime. Nosso projeto, com transformação pela arte, parece utópico, mas tá dando certo;, comenta Núbia.
Oportunidade tem sido a palavra-chave para 15 jovens, entre eles, o estudante Esron Lamounier, 21 anos. ;Poucas pessoas fazem por nós algo diferente do que a sociedade, que só faz ignorar. Agora, minha perspectiva é de crescer na vida e ser normal, como cidadão;, disse Esron, depois de duas passagens pela Papuda. ;Ocupamos a cabeça desses adolescentes que estão se garantido e procurando um espaço;, comentou o contramestre Molejo, discípulo do Mestre Cobra, à frente do Centro Cultural e Social Grito de Liberdade, com aulas de capoeira em 22 cidades dos arredores do DF.
Orgulho negro
Outras atrações do show Nota 10 foram a dupla Jhonny e Rahony, o Boi do Mestre Teodoro e Mambembricantes, com celebração de festejos populares. Posto para escanteio, pela entrada dos 19 músicos do Olodum e pelo adiantado da hora, o grupo A muringa (do Gama) reclamou da organização. ;Minha única tristeza é a falta de respeito com o artista;, disse o vocalista Antenor Paraíso.
Entre os ;negões que choraram, emocionados; com uma sessão de Pra ficar de boa, testemunhada pela diretora Núbia Santana, o vocalista do Olodum Lucas di Fiori, nos bastidores do show, lembrou da integração dele ao grupo, aos 9 anos de idade. ;O Olodum me deu a possibilidade de conhecer países, músicas e culturas. Quero repassar essa oportunidade a outras pessoas. O ideal do Olodum é de igualdade, já que o povo negro é um povo sofredor;, comentou. Morador do Plano Piloto, o produtor cultural Moredison Cordeiro, um carioca há cinco meses morador da capital, engrossou a plateia, entusiasmado pela ;demonstração de validação da arte negra em Brasília;.
Com a intenção de ampliar o projeto de Núbia Santana para Salvador, onde 300 crianças já são atendidas pela Escola Olodum (no Pelourinho), outros vocalistas do Olodum se manifestaram. ;Em Salvador, mesmo com uma população de 80% de afrodescendentes, ainda existe muito preconceito. O Olodum cria uma espécie de força e de estímulo, sem nunca repassar qualquer mensagem negativa;, disse Nadjane Souza. Mateus Vidal, em repertório que trouxe as antigas Alegria geral, Requebra e Avisa lá, garantiu a inclusão da nova canção Guia Olodum ;que reforça aspectos sociais a favor da igualdade;.
Ouça trechos das entrevistas com os vocalistas da Banda Olodum, Lucas di Fiori, Nadjane Souza e Mateus Vidal