Irlam Rocha Lima
postado em 24/03/2010 07:00
O violonista pernambucano Caio César era um pré-adolescente quando, por meio do pai, conheceu Canhoto da Paraíba, numa das muitas idas do violonista ao Recife. Em 1997, já morando no Rio de Janeiro, onde desenvolvia carreira musical, voltou de férias à capital pernambucana e reencontrou o mestre. ;Passamos, então, a tocar juntos e me propus a organizar o repertório dele, a partir da pesquisa no conjunto de sua obra, incluindo registros caseiros em fitas K-7;, lembra.
Em 1998, Canhoto sofreu um acidente vascular cerebral, e mesmo impossibilitado de tocar continuou colaborando com Caio na pesquisa. ;Antes do problema de saúde dele, havíamos sido convidados a participar do Projeto Pixinguinha. Mas, devido ao corte de recursos, o projeto foi cancelado, e aí deixamos de fazer uma série de apresentações que estavam programadas por várias cidades;.
Caio, que em 1993 havia lançado CD no qual interpretava o violonista João Pernambuco, e vinha tomando parte, com os herdeiros de Pixinguinha, no levantamento de composições inéditas do autor de Carinhoso, manteve-se debruçado sobre a obra de Canhoto. Com Alessandro Valente (cavaquinho) e Pedro Amorim (bandolim e violão tenor) formou o Trio de Câmara Brasileiro, que participou da retomada do Projeto Pixinguinha. ;Em parte do show que fizemos, tocamos músicas do Canhoto, dando-lhe tratamento camerístico.;
No segundo semestre do ano passado, o Trio de Câmara foi além e gravou Saudades de Princesa, CD que está sendo lançado com uma série de shows, iniciada no começo do mês, no Teatro do Sesc, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador. Depois de passar por Recife, João Pessoa, São Paulo, Curitiba, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, onde se apresentou na última quinta-feira, na Sala Cecília Meirelles, o grupo chega à capital. De hoje a sexta-feira, às 21h, no Clube do Choro, aproveita a participação no projeto Brasília, 50 Anos ; Capital do Choro, para mostrar o repertório do álbum.
Primeira vez
Esta é a primeira vez que o trio toca na cidade. ;Individualmente, acompanhando outros músicos, já nos apresentamos no Clube do Choro, mas só agora vamos ter oportunidade de levar para o brasiliense o som do trio. Acredito que será uma bela experiência, por ser esse local um dos raros espaços dedicado à música instrumental no Brasil;, comemora Caio, antecipadamente.
O público poderá apreciar todas os 12 temas registrados no Saudade de Princesa, entre os quais as conhecidas Visitando Recife, Com mais de mil, O grito de Mestre Sérgio e Reencontro com Paulinho (composta para o amigo Paulinho da Viola), e as inéditas Tem dó, Saudade de Princesa, Entrando na bossa, Gaguejando e Choro na madrugada.
;Por ser canhoto, ele (Canhoto da Paraíba) precisava empunhar o instrumento pelo lado esquerdo, pois como tinha que dividi-lo com os nove irmãos, não podia se dar ao luxo de inverter as cordas. Com isso criou uma técnica toda particular, contrária à escola de violão convencional;, explica Caio. ;Seu virtuosismo arrancou elogios de expoentes da música brasileira como Radamés Gnattali, Jacob do Bandolim, Paulinho da Viola e Raphael Rabello;, acrescenta.
Companheiros de Caio César no Trio de Câmara Brasileiro, os cariocas Pedro Amorim e Alessandro Valente são músicos de vasto currículo. O bandolinista integrou o grupo Nó em Pingo D;água, O trio (com Maurício Carrilho e Paulo Sérgio Santos), acompanhou em show e discos de artistas como Elizeth Cardoso, Turíbio Santos, Chico Buarque e Caetano Veloso, e lançou disco solo em que interpreta Luperce Miranda. O cavaquinista faz parte de grupos como Rabo de Lagartixa, Quarteto de Câmara Popular e Monobloco e forma na banda do espetáculo Sassaricando.
Francisco Soares de Souza, o Canhoto da Paraíba, é considerado um dos pilares do violão brasileiro. Nascido em 1927, na cidade de Princesa Isabel (PB), numa família de músicos, viveu dividido entre João Pessoa e Recife. Foi contemporâneo de artistas como Luperce Miranda, Sivuca, Nelson Ferreira e Tia Amélia de Jaboatão. Em 1968, lançou pela gravadora pernanbucana Rozenblit Único amor, seu primeiro disco. Em 1977, saiu pelo selo Marcus Pereira o LP Canhoto da Paraíba, violão brasileiro tocado pelo avesso; e, em 1993, no CD Pisando em brasa, contou com a participação de Paulinho da Viola e Raphael Rabello. Vítima de um AVC, em 1998, nunca mais tocou e morreu em 2008.
TRIO DE CÂMARA BRASILEIRO
Show do grupo para lançamento do CD Saudade de Princesa, de hoje a sexta-feira, às 21h, pelo projeto Brasília, 50 Anos ; Capital do Choro. No Clube do Choro (Eixo Monumental, ao lado do Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Ingressos: R$ 20 e R$ 10 (meia para estudantes). Não recomendado para menores de 14 anos. Informações: 3224-0599.
Saudades de Princesa - Crítica ****
O frescor de um clássico
Saudades de Princesa tem dupla vantagem. Ao mesmo tempo em que expõe a versatilidade criativa de Canhoto da Paraíba, apresenta a admirável habilidade de três músicos visivelmente íntimos da obra do compositor. A capacidade de Canhoto de dar diferentes nuances ao choro ; fosse emprestando-lhe tintas nordestinas em temas brejeiros como Com mais de mil e Visitando o Recife, ou aproximando-o da valsa nas dolentes Memória de Sebastião Malta e Reencontro com Paulinho ; é explorada com liberdade na recriação de tais composições pelo grupo de câmara. E essa liberdade, somada ao vigor das interpretações, acaba por dar ares contemporâneos à obra do compositor. O disco do Trio de Câmara Brasileiro consegue apagar qualquer distanciamento temporal, dando frescor às composições de Canhoto e resultando em um dos melhores discos de música instrumental entre os recentes lançamentos do gênero. (Rosualdo Rodrigues)
Ouça trechos das músicas:
Com mais de mil