Ricardo Daehn
postado em 28/03/2010 12:39
Em bom ioruba, a coreógrafa norte-americana Jawole Willa Jo Zollar leva no prenome a expressão ;ela adentra a casa;. Pelo resultado das mais recentes incursões ; numa turnê de cunho educativo pela América do Sul ;, as casas (leia-se Colômbia, Venezuela e Brasil) têm se revelado hospitaleiras, diante das ;descobertas; da fundadora da engajada companhia de dança Urban Bush Women. ;Na Colômbia, gostei de ver como as pessoas incorporaram a dança como uma expressão corriqueira, presente no dia a dia, mesmo;, diz, satisfeita, a sexagenária adepta de atividades como pilates, idas regulares à academia e, especialmente, movimentos repassados em salas de aula ; tudo a serviço da boa forma.Com duro aprendizado na vida ; ;cresci numa área de segregação racial e sofri com o preconceito, que teve a expressão máxima nos anos entre 1950 e 1960;, enfatiza Jawole ;, ela chega, pela primeira vez, a Brasília, ao lado de sete dançarinas (além de técnicos), disposta a fazer a diferença, num compromisso que já atravessa 22 anos, com a ação paralela do Instituto de Verão sobre Liderança. ;Para além da dança, aprendemos com o corpo. Solidarizamos, temos workshops sobre a base do racismo e aprendemos a identificar a manifestação dele, em escalas internas ou naquelas inerentes ao sistema. Com estas detecções, nos encaminhamos para um nível mais humanitário. Não há, porém, como declarar um prazo para que o racismo expire;, comenta a coreógrafa.
A pavimentação de uma ;evolução extraordinária; na conjuntura que dribla o preconceito, pelo que nota Zollar, segue em curso. ;A coisa poderosa na história norte-americana relacionada ao racismo é que houve avanço governamental, de cidadania e da base concernente às leis. Primeiro, vieram as mudanças na lei que diz respeito às pessoas negras e pobres, e depois seguem as trocas dos hábitos e daquilo que as pessoas carregam no coração. Daí é que se muda este sistema que pode trazer padrões ultrapassados de diferenciações;, observa.
O calibrado compasso entre política e dança tem como combustível as ações de personalidades como a antropóloga e coreógrafa Pearl Primus (morta em 1994), uma precursora no estabelecimento de ponte entre as culturas africanas e americanas. ;Aspiro a continuidade do trabalho dela, com quem me encontrei apenas uma vez. Fiquei muito tocada pelo discurso e pelos pensamentos de Pearl. A capacidade mobilizadora era admirável;, avalia a fundadora da Urban Bush Women.
Para as dançarinas da companhia, a forte exigência diz respeito à energia física. ;Elas não estão apenas limitadas ao balé e ao treino do que seja contemporâneo, recorrem à potência das danças de rua e dos agitos populares. Elas acolhem ainda as coreografias caribenhas e os ritmos africanos;. A conexão com danças de origem africana, por sinal, foi dos traços culturais mais estimulantes percebidos na Colômbia e na Venezuela. Com intercâmbio anterior em cidades como Campinas, Londrina e Salvador, as componentes da Urban Bush Women, após os workshops locais na capital, ontem (sábado), enfrentaram a novidade de um palco montado a céu aberto, na frente do Conjunto Nacional, em situação bem diferente das corriqueiras apresentações em teatros. Hoje, a performance volta a porto seguro, no Sesc Ceilândia,
Com as dançarinas incorporadas a um dos cartões-postais de Brasília, em frente ao Teatro Nacional, Jawole Willa Jo Zollar teve, ontem à tarde, a oportunidade de satisfazer a curiosidade dela com ;a notória arquitetura de Brasília, que é um dos maiores atrativos;.
Destacada com o disputado prêmio nova-iorquino Bessie e com o Martin Luther King (concedido pela Universidade da Flórida), Jawole Zollar não cede à exaltação de loa ; ;prêmios validam obras, mas não é por eles que persistimos na carreira.O mais alto ponto da minha carreira é aquele em que estou presente. Gosto de estar num país que me deu inspiração por nomes tão potentes quanto o de Paulo Freire;.
Urban Bush Women
Hoje, às 16h, apresentação (com entrada franca) no Sesc Ceilândia (CNN 27, Lt. B ; Ceilândia Norte). Entrada limitada à retirada prévia de ingressos (às 15h).
Amanhã e terça-feira, o grupo participa de atividades educacionais em Santa Maria e Sobradinho.
Arbusto frutífero
Formada desde 1984, no Brooklyn (Nova York), a Urban Bush Women já teve 32 obras coreografadas pela diretora de arte Jawole Willa Jo Zollar. ;Me inspiro em poesias, cantores de jazz e danças feitas na rua. A capoeira, por exemplo, é motivadora;, revela Jawole. Katherine Dunham ; tida como a ;matriarca e rainha-mãe da dança negra; ; foi influência indireta, uma vez que Jawole foi discípula de Joseph Stevenson, um ex-aluno de Dunham.
;O caráter dramático habita os temas que examinamos. Flashback / Flash forward;Cool, baby cool (a primeira dança do programa de hoje), por exemplo, pode não pender para a comédia, mas o funk exalta o ânimo e a coreografia é uma introdução muito luminosa para quem não nos conhece;, explica Jawole Zollar. O jazz (incluído aí o do romance homônimo da vencedora do prêmio Nobel Toni Morrison) abastece a coreografia Naked city, feita em colaboração com alunos da Universidade do Estado da Flórida. ;Traz uma alusão às mulheres do bairro do Harlem (Manhattan), descritas de modo tão vívido na escrita de Morrison;, pontua Zollar.
Noutra homenagem, que exalta a dançarina Pearl Primus, Walking with Pearl... Southern diaries, a última peça do programa, o foco está nas áreas rurais do Sul americano, com louvor à crença e à contribuição das fortes figuras femininas dos anos de 1930. A região Sul abriga o instituto de ações comunitárias da Urban Bush Women, em Nova Orleans. ;Fomos requisitados, depois do furacão (de 2005), por artistas da comunidade para a reconstrução e o fortalecimento do círculo artístico local. Porém, não revitalizamos os desejos artísticos da comunidade, apenas relembramos a todos a capacidade que sempre tiveram;, conta Jawole Zollar.