Diversão e Arte

Fotógrafo da revista The New Yorker, Robert Polidori expõe cenários "congelados" de grandes cidades

Nahima Maciel
postado em 30/03/2010 08:49

Há algo de surreal, datado, hiperrealístico e assustador nas fotografias do canadense Robert Polidori. Interiores abandonados, eventualmente destruídos, algumas vezes simplesmente envelhecidos despontam em imagens saídas de um filme encerrado. A ausência da figura humana é uma constante. Não há gente nesses quadros congelados de um passado que, ao que tudo indica, foi caótico. Mas há vestígios da passagem de homens. São retratos ; cadáveres, como classifica o próprio fotógrafo. ;Quando tiramos uma foto, ela para o tempo e se torna uma espécie de cadáver;, compara. É um ponto de partida que adquire bastante sentido quando se está diante das 72 imagens selecionadas por Polidori, em parceria com Sérgio Burgi, coordenador de fotografia do Instituto Moreira Salles (IMS), para a exposição Retrospectiva, em cartaz no Espaço Cultural Contemporâneo (Ecco).

Fotógrafo da revista The New Yorker há mais de uma década, para qual faz trabalhos essencialmente jornalísticos, Polidori se realiza na pesquisa pessoal. Começou nos anos 1980, quando fotografava apartamentos vazios, deixados por idosos falecidos, e invadidos por delinquentes em Nova York. O olhar para cenários que abrigavam vestígios da passagem de indivíduos e suas histórias aos poucos tragou o fotógrafo. Polidori passou a se concentrar em uma gama muito pequena de paisagens: aquelas que podiam lhe dar informações sobre tempo, espaço e homem sem mostrar o protagonista.

Com processos fotográficos emprestados do século 19, grandes formatos como 20 x 25 e 30 x 40 e negativo ; combinação responsável por uma surpreendente riqueza de detalhes -, o fotógrafo saiu pelo mundo em busca de cenários nascidos a partir de situações socioeconômicas e de desastres naturais ou não. A única regra era que tais situações tivessem afetado a vida da comunidade a que estavam relacionadas.

Vieram então Havana, fotografada no fim dos anos 1990 durante a cobertura de uma visita do Papa para a New Yorker. Chernobyl e os prédios públicos abandonados após a catástrofe do vazamento da usina nuclear na antiga União Soviética. Os interiores das casas revirados pelo furacão Katrina, em Nova Orleans. Beirute depois da guerra. A reforma do Palácio de Versalhes, em Paris. Todos, na concepção de Polidori, lugares nos quais a passagem do tempo teve algo de implacável. ;É um conjunto de imagens que fala profundamente de cada um desses eventos, mas dentro de uma mesma abordagem: as transformações que o tempo traz por causas sociais, naturais, econômicas;, diz o curador Sérgio Burgi.

O tempo está entre as preocupações mais imediatas de Polidori. É dele, de certa forma, que as imagens tratam. ;Eu diria que a fotografia não substitui o tempo, mas é a memória da história. Essa é sua vocação, ela não inventa as coisas. Podemos até inventar, mas aí a fotografia se torna um documento de nossas invenções. A foto serve, basicamente, ao deus cronos;, diz. ;Olho para os interiores como evocadores da psicologia interna pessoal das pessoas que ali moraram. Mesmo que não haja personagens, existem os traços de suas personalidades. Como o termo do psicólogo Jung, que fala do superego, é isso que os habitantes depositam sobre os muros de suas moradas. E isso é, na verdade, um retrato psicológico.;


RETROSPECTIVA
Exposição de fotografias de Robert Polidori. Visitação até 9 de maio, diariamente, das 9h às 19h, no Espaço Cultural Contemporâneo (Ecco, SCN Quadra 3, Bloco C, Loja 5).
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Brasília mais velha
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Retrospectiva também tem imagens de Brasília. Robert Polidori esteve na cidade nos últimos 20 anos. Fotografou, mas não mirou o óbvio. ;É um olhar no qual ele não se fixa sobre os monumentos mais icônicos, mas olha Brasília sob aspectos mais gerais, como as áreas dos centros comerciais, com uma relação muito forte com o espaço, o céu. Não é algo alicerçado nos grandes ícones da cidade;, repara Burgi.

A cidade é também uma espécie de marco na trajetória de Polidori. Aqui ele começou a olhar para as paisagens externas com o mesmo propósito que o levou aos registros dos interiores. ;O trabalho que fiz em Brasília era mais formal porque foi um dos primeiros em que fiz retratos de cidades. Só que aí não se trata do apodrecimento de algo velho, mas de uma visão de habitat. Se os interiores são metáforas da alma de uma pessoa e a cidade, da coletividade da alma, Brasília é o desejo de criar uma nova vida, de planejar e definir um novo futuro e uma nova identidade. É uma coisa que muitos países da América Latina tentaram, mas o Brasil foi mais corajoso;, acredita o fotógrafo, que voltou à cidade há quatro meses e ficou surpreso com os sinais de envelhecimento encontrados em alguns monumentos.

As cidades e Polidori...

Chernobyl
;O mundo parou, mas dessa vez por causa de um cataclisma, um choque de tecnologia. Chernobyl é uma cidade evacuada, um pouco como uma Pompeia moderna. Só não tenho certeza de que seus vestígios vão durar séculos, mas achei interessante que o que restou são os interiores dos prédios públicos. Nos privados, os habitantes entraram para pegar seus pertences antes de evacuar. Ficaram restos da vida pública e isso me interessou porque não pertenciam a ninguém.;

Polidori: Havana
Havia muitos vestígios de um passado não muito distante, dos anos 1950. Não houve desenvolvimento depois disso. Os prédios estão bem deteriorados e têm um efeito evocador de um certo romantismo. De alguma forma é como se a vida tivesse parado desde os anos 1950, mas sem mortes. A progressão do tempo parou.

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