Nahima Maciel
postado em 01/04/2010 10:22
O escritor mexicano Juan Rulfo publicou apenas dois livros. Pedro Páramo e A planície em chamas foram suficientes para elevar o nome do autor à galeria das grandes figuras da literatura mexicana. No entanto, há um lado menos conhecido de Rulfo e muito mais produtivo em termos de quantidade. Entre os anos 1930 e 1960, o escritor viajou por todo o México com uma câmera dependurada no pescoço. Tirou mais de 6 mil fotografias enquanto escrevia os dois livros que o tornaram célebre. Desse universo vieram as 70 imagens expostas no Instituto Cervantes e selecionadas por Victor Jiménez, diretor da Fundação Juan Rulfo no México.
Rulfo era um andarilho e excelente montanhista. Durante a juventude, como funcionário do serviço de imigração do México percorreu todos os recantos do país e tinha profundo conhecimento da geografia e da história mexicanas. Ancorado em muita leitura e experiência de campo, traçou nas fotografias um retrato do país na primeira metade do século 20. São imagens documentais, muito fortes e bem distantes do surrealismo que marcava a fotografia mexicana da época, assinadas por nomes como Manuel Álvarez Bravo.
"Rulfo começou a escrever e tirar fotos ao mesmo tempo, no fim de década de 1930, e para de escrever e fazer fotos também de maneira simultânea no início da década de 1960. Não sabemos por que decidiu dedicar-se a ambas atividades, mas ambas foram igualmente importantes para ele", conta Jiménez. "Rulfo teve relações amistosas com muitos fotógrafos mexicanos, como Álvarez Bravo, Antonio Reynoso, Nacho López e outros, mas desenvolveu um estilo próprio, mais próximo ao do norte-americano Walker Evans. Álvarez Bravo tem uma influência da fotografia publicitária e do surrealismo, e estes traços estão completamente ausentes em Rulfo."
Reconhecimento
O que se vê em México por Juan Rulfo é principalmente um país de paisagens rurais e rostos simples. As imagens fazem parte de uma coleção de 178 fotografias incluídas no livro México: Juan Rulfo fotógrafo, editado por Jiménez em parceria com a espanhola Lunwerg Editorial e publicado em 2001. Mas foi décadas antes, em 1949, que Rulfo publicou suas fotos pela primeira vez em revistas locais. Somente em 1960, quando já se aproximava dos anos em que decidiria deixar de lado a fotografia, realizou a primeira exposição. Mais tarde, a obra do fotógrafo seria encarada como uma produção fundamental para a história da fotografia latino-americana. Em 1984, durante uma entrevista em Buenos Aires, a norte-americana Susan Sontag, autora de Sobre fotografia, texto considerado marco na história da pesquisa fotográfica, diria que Rulfo é o autor da produção mais importante do continente. "Juan Rulfo é o melhor fotógrafo que conheci na América Latina", disse Sontag.
Jiménez também vê conexões entre a produção fotográfica de Rulfo e a maneira como constrói as narrativas entrecortadas e fragmentadas. A fotografia é um fragmento da realidade e, nesse sentido, é possível que dialogue com as histórias fantasmagóricas de Pedro Páramo, mas seria injusto classificar as duas linguagens como complementares. "Creio que ambas atividades se relacionam mediante uma terceira: estudo e conhecimento profundo da geografia e da história do México", explica o curador. "Rulfo leu muito sobre o passado do México, suas regiões e povoados desde os tempos mais remotos. Tomou numerosas notas de suas leituras e algo desse grande conhecimento histórico se percebe em sua narrativa. No entanto, para alimentá-la teve que apoiar-se também em suas intermináveis leituras da literatura universal. Então se trata de uma coisa complexa. O que não é válido dizer é que sua literatura seja o complemento de sua fotografia, nem que essas ofereça as imagens de sua literatura. Essa simplificação não é válida."
MÉXICO POR JUAN RULFO
Exposição de fotografias de Juan Rulfo. Visitação até 24 de abril, de 9h às 19h, no Instituto Cervantes de Brasília (SEPS 707/907, Conjunto D).
O número
70
Número de imagens na exposição