postado em 02/04/2010 09:33
Montreal - Os brasileiros conquistaram de vez o circo mais badalado do mundo. Tanto que o país virou o quinto maior fornecedor de artistas para o Cirque du Soleil, perdendo apenas para o Leste Europeu, os Estados Unidos, o Canadá e a França. Atualmente, 53 brasileiros participam de espetáculos da companhia, e outros 179 estão na lista dos "potenciais convocados". Em 2009, o Brasil conquistou outro marco importante na companhia: pela primeira vez, um profissional brasileiro foi convidado para estar à frente de um show. A bailarina e coreógrafa Deborah Colker escreveu o roteiro, fez a coreografia e dirige o espetáculo Ovo, que estreou há um ano em Toronto e, na próxima semana, chega a Nova York.
A diretora de criação do Cirque, Carmen Ruest, confessa que há 10 anos a companhia já estava de olho no trabalho que Deborah desempenha no Brasil. "O que chamou a nossa atenção foi a paixão que ela sempre colocou no trabalho. E que ela trabalhava há muito tempo com os mesmos artistas na sua companhia", revela. Para Carmen, que está no Cirque desde a sua criação, em 1984, a coreógrafa brasileira é uma "forte criadora, que aceitou um grande desafio" à frente de Ovo.
Já os artistas daqui chamam a atenção pelo empenho, pela criatividade e, principalmente, pela abertura para receber o "novo". "O que distingue o brasileiro é a sua cultura, seu calor humano. Quando um brasileiro chega aqui, já vem com a cabeça aberta, e disposto a realizar os desafios que propomos, sem medo de entrar num mundo novo", elogia o diretor de treinamento acrobático, André Vallerand. "Em geral, os brasileiros já têm essa ligação com a música, com o ritmo, o que torna tudo muito mais fácil", completa a diretora de treinamento artístico, Caitlan Maggs.
[SAIBAMAIS]As primeiras audições no Brasil ocorreram em 1998, e agora o Cirque vem ao país geralmente a cada dois anos para recrutar artistas no Rio e em São Paulo. A última audição foi em agosto passado, quando a companhia selecionou apenas músicos, e não há previsão de que sejam feitas audições nos próximos cinco meses.
Dom
Carmen Ruest acredita que as semelhanças entre os brasileiros e o povo do Quebec, província onde o Cirque nasceu e mantém sua sede, tornam a nossa presença por lá ainda mais bem-vinda. "Nossos povos são guerreiros e nos damos muito bem, trabalhamos bem juntos. Sentimos que os brasileiros têm um dom para o Cirque, uma ligação cultural", afirma a diretora de criação. "Não importa se o céu está desabando sobre nossas cabeças. Para nós, está tudo sempre bem, deixamos os problemas para lá, cantamos, dançamos e tudo acaba em samba", brinca.
Mas nem tudo é tão perfeito no artista brasileiro. O caçador de talentos do Cirque Hubert Barthod, que já trabalhou no Brasil com a Intrépida Trupe e os Irmãos Brothers, no Rio, chama a atenção para a parte técnica, que falta aos candidatos daqui. "O brasileiro tem uma abertura, alegria, generosidade %u2014 o que o Cirque du Soleil aprecia muito. O que geralmente falta é um trabalho mais técnico, especialmente na área circense", alerta. Fica a dica para quem sonha em fazer parte da concorrida companhia.
Longo caminho
Sair do anonimato para ganhar o mundo de carona com o Cirque Du Soleil não é uma tarefa simples. Há vários caminhos para se chegar lá, mas, em todos eles, é preciso esforço e muita, muita paciência. Hoje, o Cirque tem um banco de dados com mais de 45 mil artistas cadastrados. Entre eles, estão pessoas que participaram de audições realizadas em diferentes países, ginastas que atraíram a atenção de olheiros em campeonatos, e até quem enviou vídeos mostrando suas habilidades para a companhia. A peneira para a lista de possíveis convocados é bastante rigorosa, mas os outros talentos continuam lá, catalogados, à espera de um papel que os demande. E, nessas horas, a especificidade de um artista, que o deixou "de molho" por anos, pode torná-lo a peça fundamental de um novo espetáculo.
O mundo do Cirque
A sede do Cirque du Soleil foi construída em 1997 em um dos bairros mais carentes de Montreal, o bairro de Saint-Michel. A decisão foi tomada justamente para ajudar a comunidade local, não só com oportunidades de emprego, mas também para oferecer cursos e opções de cultura.
Os prédios do complexo em Montreal foram concebidos de modo a entrar, nos ambientes, a maior quantidade de luz natural possível. Isso permite que os artistas, que passam horas ensaiando dentro do complexo, se exercitem sempre à luz do dia.
Os sapatos usados nos espetáculos são sempre calçados de corrida %u201Crefeitos%u201D na sede do Cirque. A "customização" garante que os artistas tenham os melhores calçados para realizar suas acrobacias, mas sem destoar da fantasia.
Cada artista do Cirque aprende a fazer sua própria maquiagem (foto). Mesmo os mais avançados na técnica podem levar de uma a duas horas para se maquiar antes do show. Para aprender, são necessárias, no mínimo, seis aulas de duas horas de duração. O controle de qualidade é garantido por um passo a passo fotográfico. A maior dificuldade dos artistas é conseguir manter o padrão de tintas e cores misturadas.
Há uma academia dentro da sede do Cirque, na qual os artistas mantêm um ritmo próprio de exercícios.
Como a maioria deles já tem um histórico nos esportes, cada indivíduo cria a sua "rotina" na academia, mas quatro fisioterapeutas e dois instrutores de pilates estão sempre à disposição.