postado em 02/04/2010 10:09
Luis Turiba
Especial para o Correio
Rio de Janeiro - Noel canta Noel, Lupicínio canta Lupicínio, Webern canta João Gilberto, Billie Holiday canta Janis Joplin, Caetano canta Augusto de Campos. E o que é melhor nessa rítmica sopa de rimas: o próprio Augusto agora canta seus poemas com o auxílio luxuoso do filho músico Cid Campos e da voz agridoce da cantora Adriana Calcanhotto.
Foi o que se viu - e, principalmente, se ouviu - no inesquecível espetáculo Poemúsica, que marcou o retorno do poeta Augusto de Campos aos recitais ao vivo. Há cinco anos, ele andava recolhido. Por isso, o que aconteceu na última terça-feira para uma poética plateia de 100 pessoas, no Instituto Moreira Salles, na Gávea, Rio de Janeiro, teve um sabor todo especial para a poesia brasileira do século 21: um recital multimídia, em que o conceito verbivocovisual foi elevado ao extremo estético graças aos recursos tecnológicos utilizados.
O público gostou, aplaudiu e pediu bis. Agora, a ideia é trazer esse espetáculo para a abertura da II Bienal Internacional de Poesia, que acontece em setembro em Brasília.
Como sabemos, a medula da poesia concreta foi a palavra visualizada e cantada. Desde o início, lá na metade dos anos 1950, ela era assim: aparecia fragmentariamente e cantada experimentalmente. O próprio Augusto explicou como se estivesse fazendo uma conferência para o público: "As inovações trazidas pela poesia concreta (fragmentação de palavras, espacialização dos textos, ênfase em valores sonoros e visuais) despertaram, nos anos 1960, o interesse de alguns "músicos contemporâneos" brasileiros, como Gilberto Mendes e Willy Corrêa de Oliveira, que procuraram encontrar isomorfismos estruturais para as composições que fizeram sobre nossos poemas. Desde 1954, Décio, Haroldo e eu frequentávamos as aulas de Koellreutter, na Escola Livre de Música de SP. No pós-tropicalismo, Caetano Veloso abriria uma nova e inesperada senda ao interpretar Dias dias dias, em 1973, combinando deformações sonoras, citações metalinguísticas (Webern e Lupicínio), colagens e superposições vocais."
O recital teve uma dinâmica tecno-pop com animações digitais e videográficas operacionalizando fusões e outros truques surpreendentes e informativos. O êxtase emocional ficou por conta das interpretações de obras poéticas de alta carga de tensão linguística, como o já clássico Cidadecitycité interpretado pelo próprio Campos; o poema O verme e a estrela, do baiano Pedro Kilkkerry; além de poemas infantis de Lewis Caroll do CD Crionça, traduções de Augusto musicadas por Cid.
Adriana Calcanhotto arrancou urros e quase lágrimas (de alguns) cantando peças de trovadores provençais em dueto com Augusto: "À dama ama e olha/ Arnaut, cantor/ que ante esse amor/ todo outro amor se esfolha". Para encerrar tão elevado encontro onde poetas como Chacal, Antônio Dias, Walter Silveira, André Vallias e Jorge Salomão aplaudiram de pé o mestre; o trio interpretou um de seus mais plásticos e intrigantes poemas, o Sem saída, musicado por Cid e gravado por Adriana.
De certa maneira, conforme interpretação do poeta e letrista Antonio Cícero, o poema retrata um pouco a própria vida de Augusto: "A estrada é muito comprida/ não posso voltar atrás/ nunca sair do lugar/ levei toda a minha vida/ o caminho é sem saída/ não posso ir mais adiante/ curvas encantam o olhar".
Mas a melhor definição de Augusto de Campos é dada pelo próprio no programa do Poemúsica, que foi distribuído ao público: "Quanto a mim, como disse Schönberg, 1ª melhor forma de entender a minha música é: 'esqueçam teorias, o dodecafonismo, a dissonância e, se possível, a mim mesmo.' No meu caso, poeta ou expoeta, a teoria, o concretismo, e idem ibidem, myself".