Diversão e Arte

Ilustrador Edgar Vasques mostra Brasília na série de livros Cidades Ilustradas

postado em 04/04/2010 13:42
Para você, o que é Brasília? Um escândalo político ou uma pizza na Dom Bosco? Niemeyer ou Renato Russo? A secura do meio do ano ou o horizonte azul infinito? É tudo isso e mais, sabem muito bem os brasilienses. "Como vou levar isso para o papel?", indagou-se o ilustrador gaúcho Edgar Vasques, 60 anos, quando esteve por aqui no meio do mês de março. O artista passou alguns dias na capital federal e visitou o Plano Piloto, áreas administrativas, monumentos, superquadras, o Congresso, enfim, locais de lazer e trabalho, a Brasília do cartão-postal e a do brasiliense. O desenhista no Complexo da República: O resultado poderá ser conferido no segundo semestre, quando chegar às livrarias o 10º volume da série Cidades ilustradas. Alguém de Brasília poderia se perguntar se um artista local não seria mais indicado para fazer o trabalho. Talvez, mas fosse um brasiliense o escolhido para a função, não se enquadraria na proposta original do projeto. "Ela se caracteriza pelo olhar estrangeiro, livre dos vícios que tem quem mora na cidade. Acaba sendo uma visão mais interessante", justifica Roberto Ribeiro, 60 anos, editor da carioca Casa 21, lar dessa coleção prestes a completar uma década de surgimento. Em cada um dos títulos, os desenhistas envolvidos foram acompanhados por alguém da cidade, responsável por apresentar os principais pontos locais para o convidado. Para Brasília, o escolhido foi o poeta Nicolas Behr. "Conversei com o (cineasta) Vladimir Carvalho, ele conhece o nosso trabalho e me recomendou o Nicolas. O (ilustrador) Jô Oliveira reforçou a indicação. Um olhar de fora com um de dentro complementam a apresentação da cidade", diz Ribeiro. "Eu pedi ajuda a São Lucio Costa", brinca o poeta, 52 anos, sobre a composição do roteiro. "Sugeri apresentar para o Edgar as quatro escalas de Brasília: a monumental, a do poder, a simbólica e a geográfica. Depois as superquadras, a Brasília bucólica, as áreas verdes, o lago...", continua. Mas os passeios não se limitaram a essas referências e Vasques, Ribeiro e Behr foram também em Ceilândia e ao Vale do Amanhecer, por exemplo. "Houve uma dispersão do Plano Piloto. Não é preciso distanciamento para perceber que Brasília passa por um processo de metropolização. É bom sair do eixo e ir também para Águas Claras, Taguatinga%u2026 Para mim, é uma oportunidade de ver Brasília, ir aos lugares e ficar observando. No dia a dia, você não vê direito as coisas, passa com pressa", comenta o cicerone. Porém, mais do que paisagens, o trio estava em busca de cenas humanas. Uma das que Edgar Vasques mais gostou foi testemunhada na área externa do Complexo Cultural da República. "Vi uma gurizada patinando por ali de noite. Achei a cena quase poética: eles ali, o museu todo branco ao fundo e o contraste dos insetos na luz", descreve. Impressões O ilustrador conta que se deparou por aqui com um mosaico do Brasil. "Mas queria encontrar algo que fosse só de Brasília%u201D, ponderou. %u201CCalma! Só temos 50 anos. Daqui a 200, a gente conversa", respondeu Behr em meio à amistosa discussão sobre a identidade local. "O que ele viu é uma Brasília que se abrasileirou. É uma cidade para ser desvendada", continuou o escritor. Como integrante da última gestão da Câmara Setorial de Artes Visuais, Edgar Vasques visitou Brasília algumas vezes nos últimos anos, mas sempre foi do aeroporto para a sala de reuniões e vice-versa, sem tempo para conhecer a cidade. Em março foi diferente. Durante a semana que passou aqui, ele tirou fotos e fez diversos rascunhos e anotações. Atualmente passando a limpo esses desenhos e impressões, seu desafio é definir o conceito do livro. "O que está mais claro para mim é que a cidade é uma contradição entre o projeto modernista e o que é o Brasil%u201D, afirma o desenhista. E explica: "Brasília foi uma proposta muito inovadora. O escritor uruguaio Angel Rama diz que todas as cidades criadas pelos europeus na América são basicamente cidades medievais. Brasília é diferente, é um projeto moderno que não se baseia em ideias feudais. Acontece que o Brasil é feudal. E Brasília tem uma proposta generosa, humanista, otimista, mas que vem sendo contraditada pelas características antigas do Brasil: conceitos patriarcais, feudais, de uma divisão violenta de classes. Então, eu acho que o livro vai ter que mostrar isso." Coincidentemente, a passagem do projeto Cidades ilustradas por Brasília chega em um momento também de contradições. No ano do cinquentenário da capital do país, as comemorações do aniversário foram ofuscadas pelos recentes episódios vividos pelo governo local. "A cidade já representou ousadia, mas hoje é símbolo de corrupção e isso é lamentável", pontua Nicolas Behr. Para Roberto Ribeiro, a crise política não muda em nada a intenção do livro: ser um presente para a cidade. "Ele abordará uma Brasília real, humana. Será de grande ajuda para a autoestima do brasiliense", conclui o poeta. Nas HQs Gaúcho de Porto Alegre, Edgar Vasques cursou arquitetura, mas nunca exerceu a profissão. Sempre trabalhou com ilustrações, charges e histórias em quadrinhos. Publicou em diversos jornais e revistas do país. Seu personagem mais famoso é o esfomeado Rango (que este ano completa 40 anos). Nas HQs, seus trabalhos mais conhecidos são O analista de Bagé (com textos de Luís Fernando Veríssimo), Tangos e tragédias (com Cláudio Levitan) e sua rara graphic novel Sottovoce, a morte fala baixo. Recentemente, ilustrou a adaptação para quadrinhos de O triste fim de Policarpo Quaresma (de Lima Barreto). Blog do artista: evblogaleria.blogspot.com As capitais A série começou em 2001, com o Rio de Janeiro ilustrado pelo francês Jano (o título é o campeão de vendas da coleção até o momento). Na sequência, vieram Belo Horizonte (com o espanhol Miguelanxo Prado), Curitiba (com o carioca César Lobo), Salvador (com o carioca Marcello Quintanilha), Belém (com o francês Jean-Claude Denis), Cidades do Ouro (com o mineiro Lélis), São Paulo (com o britânico David Loyd), Florianópolis (com o gaúcho Eloar Guazzelli) e Porto Alegre (com o argentino Carlos Nine). Segundo o editor Roberto Ribeiro, as próximas cidades serão Manaus (possivelmente com o italiano Milo Manara), São Luís (possivelmente com o francês Loustal) e Recife (artista a definir). Mais informações: www.editoracasa21.com.br

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