Severino Francisco
postado em 07/04/2010 08:38
Os que apreciam o voo livre do ensaio têm um endereço certo para encontrar surpresas: a revista Serrote, publicada pelo Instituto Moreira Salles. O número 4 da revista será lançado, hoje, a partir das 20h, na Livraria Cultura (CasaPark Shopping), com a participação de Matinas Suzuki, um dos editores da Serrote e coordenador da coleção Jornalismo Literário, da Companhia das Letras, Daniel Galera, escritor, e Heloisa Esspada, pesquisadora, crítica de artes e coordenadora do setor de artes visuais do Instituto Moreira Salles.
O número 4 da revista brinda o aniversário de 50 anos de Brasília com um belo ensaio de imagens do fotógrafo alemão Peter Scheier (1908-1979), que chegou ao Brasil em 1937, foragido do nazismo. Ele andou por aqui, em 1958 e 1960, quando a cidade era um esqueleto da capital moderna, tomado pelas construções improvisadas de madeira. Scheier publicou, em 1960, o livro Brasília Vive, com as imagens tiradas em suas viagens brasilianas. O interessante é que em vez de colocar a arquitetura em primeiro plano, ele prefere mirar suas lentes nos brasilienses, extraindo imagens líricas, dramáticas e delicadas, com algo de uma cena de filme do neorrealismo italiano.
Scheier subverte a lógica da cidade dominada pelos monumentos e mostra gente passeando pelas ruelas do Núcleo Bandeirante com seus barracos de cidade cenográfica de faroeste americano, o alvoroço em um supermercado ou crianças (indo ou vindo) para a escola sob o fundo de uma parede de concreto e de um edifício em construção.
O Instituto Moreira Salles comprou, no ano passado, todo o acervo de imagens produzidas por Scheier no Brasil. Além de Scheier, o número 4 de Serrote traz ensaios de Daniel Galera, sobre a experiência de jogar videogame, de Joaquim Kalka, sobre o desaparecimento da moeda, de Guilherme Wisnik e Heloisa Lupinacci, sobre Coney Island, entre outros.
A ideia de criar a revista Serrote nasceu de longas conversas entre o escritor Rodrigo Lacerda, o professor Samuel Titan e os jornalistas Flávio Pinheiro e Matinas Suzuki. Eles detectaram o desaparecimento do texto cultural de mais fôlego na imprensa brasileira, que já fez história com o Suplemento Cultural de O Estado de S. Paulo, nas décadas de 1950 e 1960, o Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, na década de 1960, e o Folhetim, da Folha de S. Paulo, nas décadas de 1980 e 1990. A partir daí, eles enfrentaram o desafio de conceber uma publicação que conseguisse contemplar, ao mesmo tempo, o espaço para os novos ensaístas brasileiros e para os estrangeiros essenciais, mas pouco conhecidos: ;A nossa suspeita de que havia gente escrevendo coisas interessantes se revelou correta;, comenta Samuel Titan, um dos editores de Serrote.
A revista Serrote já publicou ensaios de gente de formação tão diversificada quanto o artista plástico Nuno Ramos, o professor Roberto Schwarz, o jornalista Fernando Lins e Silva ou o poeta Francisco Alvim. E quais seriam as características marcantes do novo ensaismo brasileiro? O ensaismo contemporâneo tem tudo para ser o que foi o clássico de Sérgio Buarque de Holanda, Gilberto Freyre ou Mario de Andrade, responde Samuel. É um lugar para se descobrir ou introduzir temas novoss: ;O Sérgio e o Gilberto usavam o ensaio para criar balões de ensaio, que depois poderiam se tornar temas dominantes. Mas, por mais diferentes que eles fossem, tinham um ar de família. O que caracteriza o ensaio contemporâneo é a surpresa. Convidamos o Daniel Galera e ele escreveu sobre a experiência de jogar videogame. O desafio do tipo de ensaio que estamos cultivando na revista Serrote, e que chamaria de ensaio público, é o de transitar entre a atualidade, a imprensa, o rigor acadêmico e a criação artística mais viva. Cultivar esse tipo de ensaio é um desafio muito grande. É só para os corajosos;.