Diversão e Arte

Às vésperas do aniversário de Brasília, acervos de artistas da cidade continuam guardados em condições precárias

Nahima Maciel
postado em 08/04/2010 11:18
Brasília tem acervos de luxo guardados em caixas de papelão, armários envelhecidos e saletas fechadas. Fotografias, obras, filmes e gravações de figuras que fizeram a história da cultura no Distrito Federal são objetos de angústias por parte das famílias e alvo de descaso das instituições públicas, que não se mobilizam para cuidar de um patrimônio capaz de contar a história da cidade dos últimos 50 anos. Na Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, figurinos da década de 1930, objetos cênicos e fotografias aguardam restauro. Na casa da bailarina Gisele Santoro é todo um armário que abriga as fitas e manuscritos do maestro Claudio Santoro e no apartamento de Maíra Oliveira estão as caixas com objetos e fotografias expostos na mostra Viva Esquadrão da Vida, realizada na Caixa Cultural em 2008. Objetos que integram o acervo da família de Renato RussoOutra casa também é o abrigo do acervo deixado por Renato Russo. É ao Rio de Janeiro que a irmã do cantor, Carmem Manfredini, precisa se dirigir quando quer organizar discos e papéis de Russo. "Deixamos tudo no apartamento que era dele, no Rio", avisa a cantora. Quando assumiu a Secretaria de Cultura, em 2007, Silvestre Gorgulho contou ao Correio ter a intenção de criar um memorial para os acervos de diferentes fazedores de cultura da cidade. A ideia, no entanto, nunca tomou corpo. Enquanto isso, os acervos de luxo como os de Ary Pára-Raios e Claudio Santoro agonizam em armários e caixas, longe das vistas do público e dos pesquisadores da história da cultura na cidade. Veja o que contêm esses acervos e como estão acondicionados. Dulcina de Moraes Tudo é difícil quando se trata de figurinos antigos. "São poucos restauradores", explica Francis Wilker, coordenador da Fundação Brasileira de Teatro, responsável pelo acervo de Dulcina de Moraes. "É uma manutenção muito cara." Boa parte do acervo deixado pela atriz inclui figurinos e objetos cênicos, mas Wilker contabiliza como mais importante o conjunto de cartas, documentos e fotografias. Em 2008, uma parceria como o Tribunal de Contas da União (TCU) possibilitou a higienização de 10% do material. Foi a única investida de conservação do arquivo. Desde então, a faculdade luta para viabilizar projetos que permitam tirar o acervo da sala à qual está confinado e torná-lo acessível ao público e historiadores. "Mas no geral falta consciência da importância disso para a cidade, tanto no que esses acervos representam historicamente quanto no que poderiam agregar ao turismo", lamenta Wilker. "Se alguém quer consultar, a gente agenda visita, mas não temos tudo digitalizado. Já conseguimos fotografar boa parte e a ideia é ter uma galeria virtual. Por ser uma instituição de ensino e pesquisa, a faculdade tem um interesse grande que esse acervo possa ser fonte de consulta." Renato Russo Quando empacotou fotos, discos, cartas e objetos do irmão para realizar a exposição Renato Russo Manfredini Júnior no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em 2004, Carmem Manfredini tinha a esperança de não precisar carregar tudo de volta para o Rio de Janeiro. Afinal, há anos os governos locais prometem dar o primeiro passo para construir um memorial para o cantor. Mas Carmem não teve escolha. No fim da exposição, embalou tudo e voltou com as caixas para o apartamento do irmão na capital carioca. "Quando veio a oportunidade da exposição, eu fiz porque queria que as pessoas vissem esse acervo, que estava tão parado. Houve interesse do Rio em fazer (um memorial) lá, mas a família não quis, prefere que seja aqui. A parte toda de rock o Renato desenvolveu em Brasília, as letras, tudo, então a gente quer muito que seja aqui." No apartamento carioca há desde roupas e mobília até os escritos, incluindo diários escritos pelo cantor e correspondência. "Tá superconservado, bem arrumado. A gente tem uma pessoa que cuida e é muito próxima da família, mas os manuscritos não estão organizados, tenho que parar e começar a mexer", diz Carmem. Ary Pára Raios Maíra Oliveira precisou optar por dar continuidade ao trabalho do Esquadrão da Vida ou se dedicar ao acervo do grupo quando inscreveu projeto no Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Escolheu então manter vivo o esquadrão criado pelo pai, Ary Pára-Raios. "A gente ganhou do FAC um projeto de manutenção do grupo e gostaria que fosse suficiente para fazer tudo, mas não é. Ou você mantém o grupo, paga os atores, ou opta por conservar esse acervo", conta Maíra, que não abriu as caixas com o material da exposição Viva Esquadrão da Vida porque acreditava que poderia, em breve, transferir o acervo para um local seguro. No entanto, o local seguro encontrado está dividido entre quatro apartamentos de amigos e familiares. "Toda vez que vou a esses lugares fico com vontade de chorar e sem saber como agir, porque precisa de estruturação, de alguém que saiba organizar uma forma de outras pessoas verem isso. Os filmes estão se perdendo, tem foto grudando", avisa Maíra. "Não quero abrir as caixas porque gostaria que essa exposição fosse permanente, um espaço que pudesse ser do Esquadrão, em que pudéssemos ter oficinas, espetáculos e cuidar do nosso material. Já desisti de falar sobre isso, de pedir, mas fico pensando que é um grupo de 30 anos, é a história da cidade." Entre manuscritos, filipetas, fotografias e filmes estão figurinos usados em espetáculos clássicos como Na rua com Romeu e Julieta e restos de tecidos que Maíra tenta reaproveitar nos trabalhos atuais do Esquadrão. Cláudio Santoro O acervo do maestro que fundou a Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional inclui 59 obras sinfônicas, mais de 40 peças para piano, 12 composições para balé e dezenas de partituras para instrumentos solos, música de câmara, coro e canto. Uma produção intensa para um dos mais importantes nomes da música erudita brasileira do século 20. No entanto, há pouca coisa de Santoro gravada e editada. A família mantém o site www.claudiosantoro.art.br, com um catálogo de tudo o que o maestro escreveu. Algumas partituras estão editadas e à venda. "O que não está a gente vende a cópia do original", explica Gisele Santoro, viúva do compositor. "A gente vai fazendo aos poucos, com o pouquinho de dinheiro que consegue aqui e ali, digitalizamos algumas obras, mas é um material muito caro, a gente acaba não fazendo as grandes obras orquestrais, faz as de uma página." O problema maior está nas fitas com a música eletroacústica, material que nunca ganhou o papel e único registro dessa produção na trajetória de Santoro. Se não forem digitalizadas, essas obras podem acabar inaudíveis em poucos anos. Gisele já foi abordada por diferentes governos do Distrito Federal com supostas intenções de projetos para conservar a obra do compositor, mas a ideia morre antes mesmo de findos os mandatos de governadores e secretários de Cultura. "O pessoal fala muito e não faz. A situação continua na mesma, a gente não tem apoio, então vai cuidando como pode." Uma parceria com a Universidade de Brasília (UnB) possibilitou que a correspondência de Santoro ganhasse atenção especial e 50% das cartas encontradas no acervo já foram digitalizadas. "A gente quer criar na Biblioteca Central (da UnB) um arquivo para estudos de pós-graduação", avisa Beatriz Castro, responsável pela recuperação e coordenadora do programa de pós-graduação Música em contexto.

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