Irlam Rocha Lima
postado em 09/04/2010 08:11
Certa noite, em 1967, nas suas andanças pelos bares de Copacabana, Vinicius de Moraes entrou no Pontifícia Universidade dos Boêmios (PUB), que existia na rua Antônio Vieira, no Leme, ocupou uma mesa e se pôs a ouvir a cantora da casa, uma certa Waleska, intérprete romântica que começava a despontar no circuito noturno carioca. Depois de algumas doses de uísque, o poetinha levantou-se, ergueu o copo e disse: "Waleskinha tem a canção certa para a dor exata. Ela é a rainha da fossa". Essa é uma das muitas recordações guardadas no baú de memória de uma das mais marcantes personalidades da boemia do Rio de Janeiro, entre o fim da década de 1960 e o começo dos anos 1980. A história é transcrita de Foi a noite, livro de reminiscências que Waleska lança em Brasília.
A cantora, que morou aqui nos anos 1990, está de volta à cidade para apresentações hoje e amanhã, às 21h, no Carpe Diem Mediterrâneo (Pier 21), acompanhada pelo tecladista Aleandro. Em seguida, ela vai autografar o livro, que saiu pela Editora Brasiliense, de São Paulo, com prefácio do jornalista, pesquisador e biógrafo Sérgio Cabral, e orelha do eterno mestre de cerimônias Miele.
Lançado no Rio de Janeiro, São Paulo e Recife, Foi uma noite traz histórias dos 30 anos de Waleska na noite, principalmente do período em que foi a atração do Little Club, Arpége, PUB e Fossa, lugares que marcaram época no Rio boêmio dos anos dourados, nos quais conviveu com personagens tão díspares, como o eterno presidente Juscelino Kubitschek, o escritor e "mulherólogo" Sérgio Porto, os jornalistas e compositores Antônio Maria e Sérgio Bittencourt, as cantoras e compositoras Dolores Duran e Maysa. Sempre com um cigarro entre os dedos, Waleska cantou e foi aplaudida por todos eles.
No prefácio Sérgio Cabral escreveu: "Não era fácil ser destaque naquelas noites em que se poderia escolher entre um show de Elizeth Cardoso, Maysa, Tito Madi, Dorival Caymmi ou Vinicius de Moraes, sem falar da possibilidade de ver Ella Fitzgerald, no Copa, ou Roy Hamilton, no Fred%u2019s. A marcante cantora capixaba Waleska destacou-se tanto que seu reinado nas noites copacabanenses atravessou muitos anos%u2026"
"Eu fiz um círculo de amizades grande na noite carioca. Maysa, além de grande amiga, se tornou minha comadre. Sérgio Bittencourt foi um amor platônico, mas não foi além disso, embora muita gente insinuasse que teria havido um caso entre nós. Ele escrevia a coluna Rio à noite, no Globo, integrava o júri do programa Flávio Cavalcanti, e batia ponto com frequência nos bares, onde eu me apresentava, recolhendo muitas informações", lembra, nostálgica.
Amor platônico
Os dois, segundo a cantora, tinham uma relação de muita intimidade, de troca de confidências. "Foi por sugestão do Sérgio que decidi assumir a direção do espaço existente em cima da cervejaria Bierklause, que fazia o maior sucesso em Copacabana na época. A expressão fossa estava na moda e acabei utilizando como nome do bar, que se tornou ponto de encontro dos boêmios que iam lá em busca da cura da dor de cotovelo. Acredito que fui a primeira pessoa para quem ele mostrou Naquela mesa, música que compôs depois da morte do pai, o mestre Jacob do Bandolim".
No último capítulo do Foi a noite, Waleska recorda-se de sua passagem por Brasília, onde se apresentou em casas como Glauco's (208 Sul), Grog e Gaff (Centro Comercial Gilberto Salomão), Tendinha (Hotel Nacional) e Piaf (403 Sul), da qual foi sócia. "Em Brasília, me tornei produtora e criei o projeto Resgate da Memória da Música Popular, que me possibilitou trazer grandes nomes da nossa música, como Cauby Peixoto, Ângela Maria, Doris Monteiro, Tito Madi, Carlos Lyra, Johnny Alf, Moreira da Silva, Jamelão e Os Cariocas".
Coletânea de sucessos
Paralelamente ao livro, a cantora está lançando o CD 20 super sucessos, coletânea de clássicos populares, como Devolvi (Adelino Moreira), Confidências (Raul Sampaio e Benil Santos), Matriz e filial (Lúcio Cardin), Somos iguais (Evaldo Gouveia e Jair Amorim), Eu nunca mais vou te esquecer (Moacir Franco) e Meu dilema (Michael Sullivan e Leonardo). Algumas dessas músicas ela vai interpretar no show do Carpe Diem, juntamente com pérolas do repertório de Vinicius de Moraes, Lupicínio Rodrigues, Tito Madi, Dolores Duran e Maysa, intercalando com histórias extraídas do Foi a noite.