Diversão e Arte

A brasileira Fabiana Cozza e a africana Eneida Marta (Guiné-Bissau) mostram a força do canto em português no palco do CCBB

Irlam Rocha Lima
postado em 12/04/2010 09:01
Samba, baião, cateretê, fado, chamarita, gumbe, chopi e outros ritmos originários de países de língua portuguesa puderam ser apreciados nas últimas semanas no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). Essa rica musicalidade foi expressada de diversas formas por meio de vozes e instrumentos de artistas do Brasil, Portugal, Cabo Verde, Ilha da Madeira, Timor Leste, São Tomé e Príncipe, Moçambique, Guiné-Bissau e Angola. Fabiana Cozza fez um deliciosa mistura brasileira: reverência aos orixás em repertório impecávelEles foram reunidos no projeto Nossa Língua, Nossa Música, iniciativa de Jocelyne Aymon, suíça com vivência no Brasil e ligada culturalmente a Portugal e países lusófonos. A ideia de criar a série, segundo a produtora, foi reforçada pelo acordo ortográfico que busca unificar ainda mais os 190 milhões de brasileiros e outros 10, 5 milhões de portugueses e moradores de países africanos em comunidades na América e na Ásia ligadas pelo idioma. Na noite de sábado, público nitidamente interessado quase lotou o CCBB para ver o que seria mostrado pela festejada sambista paulistana Fabiana Cozza e a africana Eneida Marta - nascida em Guiné-Bissau e com trabalho conhecido em Cabo Verde, Portugal, França, Holanda e Alemanha. Quem esteve lá pelo visto embarcou nessa viagem sonora, pois participou ativamente do show das duas cantoras. Antes delas, Gerson Lobo, ator e bailarino pernambucano residente no Rio de Janeiro, travestido de navegante português e usando o idioma lusitano, saudou os espectadores e explicou a proposta do projeto de maneira quase didática, mas com leveza e humor, criando clima de descontração. Arrancou sorrisos e aplausos de plateia heterogênea, embora com predominância de adultos. Fabiana Cozza, que fez o primeiro show, já é conhecida do brasiliense, pois anteriormente esteve aqui em projeto no extinto Espaço Brasil Telecom. Com a torcida do seu lado, ela deixou claro - com um vozeirão, suingue e malemolência (colocados a serviço de repertório irrepreensível) - por que é tida como um dos destaques da nova geração do samba. A brasileira abriu os trabalhos com Incensa, de Roque Ferreira, de quem cantou também Quando o céu clarear. Carismática, soltou a voz na sequência em Coisa feita (João Bosco, Aldir Blanc e Paulo Emílio) e Tendência (Dona Ivone lara e Jorge Aragão). Foi sedutora em Santa Bamba, do paraense Fabiano Ramos; Embarcação (Chico Buarque e Francis Hime) e, principalmente, na recriação de Canto de Ossanha, afrosamba clássico da lavra de Baden Powell e Vinicius de Moraes. Do meio do público, ouviu-se a exclamação "poderosa" A cantora guardou para o fim o lindíssimo samba Agradecer e abraçar, criação de Gerônimo e Vevé Calazans. Reverente, nos meneios e gestos, revelou sua ligação com o universo dos orixás, impresso na letra da música dos autores que a compuseram com sutil delicadeza e abrangência, numa clara demonstração da fé nas divindades dos cultos afrobrasileiros. Antes, generosa, ao apresentar a banda, abriu espaço para solos do violonista Rogerinho Caetano, de Jaine Vignolli (cavaquinho), André Santos (baixo) e Douglas Alonso (percussão). Timbre privilegiado Com um português fluente, Eneida Marta ganhou a todos de cara pela extrema simpatia, mas principalmente por ser detentora de voz com timbre privilegiado. Às canções do disco Nô stória (Nossa história), juntaram-se a outras músicas, entre as quais Guine na mundo (Zé Manel), cantada na abertura, És de Fidjo (Juca Delgado e Guto Pires), Mindjer doce mel (Mimito) e Tio Bernal (José Carlos Schwarz). Em Regresso, aproveitou para, com entusiasmo cívico, saudar o autor Amilcar Cabral, fundador do partido Africano para a Independência de Guiné-Bissau e Cabo Verde, teórico marxista da revolução da África Negra, assassinado em 1973. A cantora teve ao seu lado músicos do seu país: Juca Delgado (Piano), Gogui (baixo) e o hilário percussionista Kabun, que exercitou a faceta de humorista, principalmente, quando imitou sons emitidos por aves, cachorros e outros bichos. Mas ele brilhou mesmo foi ao tocar instrumento artesanal feito com parte de grande cabaça, colocada sobre tina com água. O canto de Eneida emocionou os brasilienses e ainda mais os guinenses Itiandro Lopes, Irina Adão e Naira Gomes, estudantes da UnB que participam de intercâmbio promovido pelo Brasil com países africanos. "Para nós que estamos há cinco anos sem voltar a Guiné, voltar a ter contato com a música e a cultura do nosso país é algo indescritível", revelou Itiandro. Em seguida, todos fizeram coro com Eneida e Fabiana, no refrão de N'na (Mãe), de José Carlos Schwarz, em final apoteótico.

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