Interpretações de uma cidade, feitas por cineastas à frente de 17 longas-metragens; o tecido humano da capital federal e a valorização da pluralidade de olhares estão entre as propostas dos curadores da mostra Brasília 50 Anos, a partir desta terça, no Centro Cultural Banco do Brasil. "Buscamos as diferentes representações da cidade que habitam o imaginário nacional. Nos documentários, dramas, filmes experimentais e comédias, Brasília é carregada de sentidos e se apresenta como uma geografia orgânica, cenário de conflitos e tensões: é um ser movente", explica Daniel Obeid, um dos curadores.
Ele, que dividiu a seleção dos títulos com Leonardo Mecchi, será hoje mediador do debate que terá a participação do editor-executivo do Correio, Carlos Marcelo, e do cineasta José Eduardo Belmonte. "Belmonte é um bom representante da geração de cineastas que foi criada na cidade. Recebeu as mais diversas influências e, mesmo assim, desenvolveu um estilo próprio, ousado e criativo", opina a jornalista Raquel Sá, autora do livro Cineastas de Brasília. O diretor responde, na mostra, pelo "adrenalinado e vibrante", nas palavras da jornalista e pesquisadora de cinema nacional Maria do Rosário Caetano, A concepção, além de Subterrâneos, o filme de abertura, com exibição às 18h30.
Formada em letras e jornalismo pela Universidade de Brasília, a mineira Maria do Rosário, que integrou a equipe do Correio na década de 1980, aponta o documentário Conterrâneos velhos de guerra, de Vladimir Carvalho, como o mais importante filme a ser exibido. "Embora ache que o diretor pecou por excesso de paixão ao material, ninguém há de negar o quanto ele tem de arrebatador, o quanto o cineasta paraibano armazenou de paixão pela cidade e por seus principais artífices, os candangos. As imagens e os depoimentos, colhidos em décadas de vivências brasilienses, são incontornáveis", comenta Maria do Rosário. Barra 68 ; Sem perder a ternura é outro filme de Carvalho pinçado para Brasília 50 Anos.
[SAIBAMAIS]Da programação, Maria do Rosário destaca ainda A idade da Terra, "o filme-testamento de Glauber Rocha que possibilita o reencontro com Ary Pára-Raios, com o repórter Mário Eugênio e com o Cristo negro interpretado pelo Antônio Pitanga, que prega no meio do cerrado". O bloco de filmes no CCBB traz obras de nomes como Renato Barbieri, Lúcia Murat, João Batista de Andrade e Manfredo Caldas. Engrossando a diversificação, Afonso Brazza foi lembrado, com Tortura selvagem ; A grade, uma emblemática e divertida trama de vingança, centrada na figura de um homem preso injustamente por tráfico de drogas.
Realizador e crítico de cinema, o professor Sérgio Moriconi se entusiasma pela dobradinha cômica Celeste & Estrela (2002) e Um candango na Belacap (1961) atrelada à mostra. "Com uma veia cômico-anárquica, à la irmãos Marx, a diretora Betse de Paula, no Celeste, descobre uma insólita forma de abordar Brasília, ao mostrar as agruras dos indivíduos que se aventuram a fazer cinema em pleno Planalto Central, longe dos grandes centros de produção. Ela revela indivíduos que lutam para construir identidades, mantendo distância do karma burocrático", avalia.
A cidade vista como uma cabala está entre as impressões de Moriconi para Um candango na Belacap. Realizada em 1960, a chanchada, com Ankito e Grande Otelo no elenco, na visão do crítico, "não chega ao ponto de colocar em seus personagens nem o sentimento de orfandade desesperada que o compositor Billy Blanco expressa nos versos da sua Não vou pra Brasília ("Não vou, não vou/ eu nem sou índio nem nada"), nem tampouco o otimismo de Jackson do Pandeiro no coco Vou pra Brasília". A mudança geográfica da capital brasileira está embutida nas entrelinhas, e transparece nos sentimentos das personagens. "Ainda que a cidade apareça apenas insinuada como uma miragem, o diretor Roberto Farias revela um pouco do espírito dos cariocas com as novas perspectivas", conclui Sérgio Moriconi.