Ricardo Daehn
postado em 21/04/2010 08:17
Quando sentado à plateia do Teatro Dulcina de Moraes, o espectador mais atento percebe, à distância e por trás de uma cortina, a presença, por meio de uma imensa imagem aplicada na parede, da primeira dama do teatro brasileiro no século 20. "Fiz a foto da fotografia", conta o brasiliense Dalton Camargos que, com uma década a menos do que Brasília, foi convocado para a participação nas homenagens do cinquentenário. Cultuando duas atividades que provocam igual entusiasmo - a fotografia e a iluminação em montagens teatrais -, Camargos mostra, na exposição Brasília em cena, a fusão entre as artes. "A luz na fotografia é a matéria-prima. Todas as imagens são feitas em função da luz. O olhar do fotógrafo é praticamente o do iluminador, daquele que manipula a luz. Iluminar encerra uma maneira de se expressar", avalia.
Num recorte pessoal do que aconteceu nos palcos em Brasília, entre meados dos anos de 1990 e 2009, Camargos conta com o fator liberdade. "O material sempre foi escolhido por mim junto com os diretores ou cenógrafos, geralmente para promover divulgação e peças gráficas. Agora, como a fotografia fala por si mesma, o espetáculo é só um objeto. Como é uma exposição, só prevaleceu o meu olhar. Estão as fotografias que, sob meu ponto de vista, são as mais interessantes", comenta. Tendo colaborado com diretores como Fernando e Adriano Guimarães, Hugo Rodas e Míriam Virna, Dalton Camargos não minimiza os efeitos alcançados no palco: "A experiência ao vivo é impagável - saber exatamente o que é um espetáculo só mesmo no palco".
Com trajetória profissional iniciada em 1992, o autodidata Dalton Camargos optou pela iluminação ao constatar a carência de artistas no segmento. "Os atuais avanços tecnológicos libertaram aquele conhecimento tão específico que era dos fotógrafos. O acesso foi pulverizado, num bom sentido", opina. A exposição, no corredor da presidência da Câmara dos Deputados, traz embutida outra veia democrática: "A gente tá invadindo um lugar, com coisas de cultura, onde normalmente se ouve falar de política. De maneira subjetiva, estamos tentando equilibrar, dando uma energia boa ao lugar".
Produção intensa
Muitos registros em preto-e-branco, feitos até 1996, ficaram de fora do conjunto de 14 fotografias (40x60cm). Prevalece a produção mais recente, com imagens não só de cenas, mas também dos ensaios de projetos como Mundos novos (2008), dirigido por Kênia Dias, com base na carta do escrivão Pero Vaz de Caminha. "A composição foi muito legal e, no trabalho, mostrei a mistura de três vertentes: como fotógrafo, iluminador e ainda por trás do conceito de vídeo usado em cena. Tratamos das impressões visuais que Pero Vaz teve ao chegar no Brasil, numa associação com o que ele descrevia", explica o fotógrafo.
Interessado na participação mental e nos sentimentos únicos de cada espectador no contato com o teatro, Dalton Camargos pontua o caráter individual, desprendido da plateia. "Percebemos o que estamos aptos, quando nos deixamos viajar naquele contexto", observa. Nessa linha de raciocínio, Brasília em cena traz ao menos um exemplar que agrega a característica de maior abstração: My mother naked (2009), feito com coreografias de Cristina Moura e com desenho de luz de Dalton Camargos. "Com dança e teatro, nele, trabalhamos com uma nudez de cena, sem aparatos ou tanta cenografia. As questões visuais, bem ligadas a aspectos corporais dos intérpretes, se concretizam na cabeça dos espectadores", conclui.
BRASÍLIA EM CENA
Fotogaleria do corredor da presidência da Câmara dos Deputados (Esplanada dos Ministérios). De hoje até 27. Visitação de segunda a domingo, das 9h30 às 17h. Acesso livre.