postado em 22/04/2010 08:00
Depois de muitos pedidos e até ;ameaças;, como ele gosta de contar, o poeta paraibano Jessier Quirino resolveu aliar poesia e música na sua carreira. Desde 1996, quando lançou Prosa morena, todos os seus trabalhos têm tido esste suporte em CD, considerado uma extensão da obra escrita, e, juntamente com o desempenho de palco, ajudaram a firmar seu nome no cenário artístico nacional.;Foi um divisor de águas no meu trabalho. Eu sempre fiz canções e poemas, e apresentava isso durante os recitais. O público gostava tanto (dos versos ditos no palco) que passou a cobrar esse registro em áudio, devido também à minha força declamatória. Desde então, todo o nosso trabalho mescla o áudio com a poesia escrita, ou seja, une os poemas com canções autorais e causos nordestinos;, conta.
E não é diferente no seu mais recente trabalho Berro novo, que ele apresenta hoje e amanhã, pela primeira vez em Brasília, no recital de mesmo nome. Segundo Quirino, Berro novo é um chamamento para a causa brejeira e sertaneja e traz uma poesia contemporânea, apesar de seu estilo ter raízes na natureza interiorana. O livro vem acompanhado de um CD com músicas, causos e declamações do autor e ainda conta com participações especiais de Josildo Sá, maestro Spock, Xangai e Dominguinhos, numa homenagem a Luiz Gonzaga.
Poesia de brincar
;O livro segue a mesma linha dos anteriores, mas com uma linguagem renovada. Além disso, tem uma das minhas marcas que é a brincadeira. Gosto muito de brincar com a minha poesia. Um dos exemplos disso é a canção que fiz e que está no CD. Na verdade, é um samba-enredo chamado Samba do porteiro de boate. Como o porteiro não consegue ouvir nunca uma música por inteiro, só retalhos, acabei compondo essa canção que conta com algo inédito: 14 parceiros. Tem fragmentos de canções de Chico Buarque, Roberto Carlos e mais um monte de gente. Ficou bem interessante;, ressalta o poeta nascido em Campina Grande (PB). Outro destaque do novo livro é Caminhão de mudança (leia ao lado), poema descritivo, meio visual, e que, segundo Quirino, até reflete um pouco a partida de muitos nordestinos com destino à construção de Brasília.
Arquiteto de formação e poeta por vocação, Jessier Quirino persegue fatos e histórias sertanejas com olhos e faro de rastejador. Berro novo é sua oitava publicação. Ele ainda é autor de Paisagem de interior, Agruras da lata d;água, O chapéu mau e o lobinho vermelho, Prosa morena, Política de pé de muro ; O comitê do povão, Bandeira nordestina e A folha de boldo notícias de cachaceiros, em parceria com Joselito Nunes. Ao longo de sua trajetória, ele vem sendo chamado de ;O domador de palavras;, título que ele recebe com muita satisfação. ;Gosto dessa expressão. Acho que isso surgiu porque o neologismo é muito presente na minha obra. Realmente gosto muito de criar e de domar as palavras;, salienta.
RECITAL SOLO. BERRO NOVO, COM O POETA JESSIER QUIRINO
Amanhã e sábado, às 21h, na Associação Médica de Brasília, no Setor de Clubes Sul, Trecho 3 Ingressos: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia). Informações: 8177 0113. Não recomendado para menores de 18 anos.
PAIXÃO DE ATLÂNTICO NA BEIRA DO MAR
Não passo de um pobre e minúsculo Atlântico
Diante da moça que vem se banhar
Princesa dos raios de brilho solar
Que mostra pra gente que o ouro é ralé
Uma espuma finíssima me veste a maré
Qual nata de leite depois de amornar
E a Deusa se achega, de bem comparar
Descida das nuvens que rimam com sonho
E eu pobre Oceano, não tenho tamanho
De ser seu parceiro de beira de mar.
E a moça abeirando meus véus de espuma
Olhar de cupido a me recear
Aqui... bem aqui! O cabelo a voar
De cor, cor-de-cuia de louro brejeiro
Seus pés, de mansinho, me tocam primeiro
E a boca em suspiro aspira o meu ar
Recolhe os bracinhos a se arrupiar
E se carrapixam os poros e pelos
Os outros primores, eu nem pude vê-los
Morri de Atlântico na beira do mar.
De lenda e sereia a moça se agacha
E põe-se ditosa a me baldear
Um fogo de afago me faz fervilhar
Borbulhas de flauta perfume reseda
Uma pele macia ; qual capa de seda
Dos amendoins no afã de torrar
No raso das águas se faz cobrejar
Em colcha de espuma de puro chenill
E o ;A; de paixão, se afoga no til
Na onda de Atlântico da beira do mar.
O BOLO MAU
E OS TRÊS CORPINHOS
Jessier Quirino
Era uma vez três corpinhos.
Três meninas, três gracinhas
Que só comiam alface.
Garapa? Só sem açúcar.
Pão-de-ló sem pão, sem ló.
Viviam na ditadura
De nunca, nunca engordar:
-Deus nos livre de gordura!
Deus nos livre de quindim!
Eca! Pra musse e manjar
Chocolate? Nem pensar!
Sorvete? Tudo de ruim!
-Deus nos proteja de massa
Arroz, fritura, feijão...
Até o leite integral
Era prejudicial.
Apenas eu, Bolo Mau,
Era a única tentação.
Eu era um bolo adorado
Do bom dos melhores bons:
Chocolatíssimo flocado
Gostosamente adoçado
Ornado em branco e marrom.
Era o mimo da moçada
O desejo dos brotinhos
Mas vivia acabrunhado
Por nunca ter conquistado
A gula dos três corpinhos.
Um dia, tracei um plano:
Botei meu melhor recheio
Iguarias de princesa
E, daquelas três lindezas,
Duas caíram de cheio.
Mas a terceira esbelteza
Fugitiva do pudim
Regurgitava, enjoava
Resistia até o fim.
Mas eu, de Mau, insisti:
Revesti-me de alface
De pepino e couve-flor
E fui bater na janela
Do corpinho tentador.
Vendo-me assim de verdura
Corpinho se derreteu
Garfou-me de gulodice
E do Bolo Mau, comeu.
Ficou tão viva e animada
Que não parou de provar
Quem era de hortaliça
Ficou quitute, roliça
De filezinho pra lá.
Tornou-se violãozuda
Malagueta de arder
As rosas se boquiabrem
E se rosam por lhe ver.
Tem audiência estourada
Quando amor ta de vez
Me faz pro aniversário
Devora-me com avidez
Faz beiço-ventilador
Me sopra velas de amor
Na velocidade três.