postado em 01/05/2010 07:00
A gestação do primeiro álbum da banda Watson durou quase uma década. Foi lançando EPs, singles e fazendo shows pequenos, às vezes para 30, 40 pessoas, que Adriano Brasil (baixo), Augusto ;Jack; Coaracy (bateria), Miguel Martins (letras, voz e guitarra) e, desde 2006, Filipe Vianna (voz, guitarra e teclado) passaram do divertimento para o profissionalismo. ;Começamos sem muita pretensão. A intenção era tocar em colégio, de brincar, se divertir. Depois a gente deu uma cara sólida pra banda;, conta Miguel. A história da banda está registrada em Watson, disco que reúne letras de 2002, ano dos primeiros ensaios, a 2009. O lançamento está marcado para hoje, a partir das 16h, no Conic, em show gratuito.
O espírito independente está na origem do grupo e nas notáveis influências musicais, que vão de Pavament à também brasiliense Prot(o). ;A gente começou meio que tomando tapa na cara, tentando fazer algum barulho numa cena já constituída;, diz Miguel. Depois de anos trabalhando na identidade sonora, que ficou mais densa com a entrada das guitarras de Filipe, a sensação que ficou com a chegada do primeiro disco é de que parte da missão foi cumprida.
A outra tarefa da missão envolve criar outras possibilidades para o futuro e conquistar reconhecimento em outros estados. Para Miguel, a consolidação depende de boas apresentações ao vivo. ;O disco não é só uma gravação, mas um som que a banda consegue fazer ao vivo. A parte física da banda está relacionada aos shows. Pra ficar com as pessoas, tem que ter o show;, analisa.
Em Watson, a banda faz uma espécie de retrospectiva das melhores canções, lançadas em EPs e singles, como Asa belhas, Eu quero envelhecer e Bolero, e introduz novas faixas ao repertório. As músicas mais antigas, porém, receberam vestimenta mais sofisticada. Mesclar composições de meia década atrás com coisa nova resultou num processo trabalhoso. ;Acho que o benefício é que essas músicas antigas representam todo o gosto musical, estético, que a gente teve durante oito anos;, explica Jack. Miguel completa: ;A gente pensou em trazer músicas antigas pra deixar o disco mais suave. Elas se encaixavam no discurso do disco, alternando balada e peso. Você ouve uma música que te leva lá em cima e outra lá em baixo.;
O local escolhido para o lançamento do primeiro disco, o Conic, revela o sentimento da banda em relação à cidade, uma mistura de admiração e cinismo. ;Tento compreender um pouco como a gente vive nessa cidade, falar de coisas que as pessoas tinham parado de falar, que incomodam;, confessa o letrista. A julgar pelo álbum de estreia, o Watson ainda deve incomodar por muitos anos.
//Crítica ****
Uma banda de verdade
Tiago Faria
No disco de estreia do Watson, Brasília não aparece desenhada com os traços alucinados de uma ficção científica. Nem com as lacunas de uma paisagem tediosa. O que emerge dessas 12 canções é uma cidade mais ou menos como as outras: com fofocas de prédio, hora do rush, quitinetes, conversas de bar, shows de rock. São crônicas de uma capital do cotidiano, sem os clichês que sempre maltrataram nossos ouvidos.
Nada de celebrar o azul do céu, portanto. Nem de subir no palanque das canções de protesto. O eixo do Watson aponta para outro lado: em Asa belhas, faixa de abertura, o fim de tarde não provoca assombro algum. ;É só mais um pôr do sol;, observa Miguel Martins, realista até os ossos. Mas as turbinas do avião urbano nem sempre roncam alto. O silêncio de um domingo na entrequadra, em Darwinismo, amplifica a solidão provocada pelo fim de um romance. Isso também é Brasília.
Antes que alguém imagine se tratar de um disco sobre a cidade ; não é ;, o Watson amplia o foco. As guitarras secas, sem muitas extravagâncias, valorizam versos que parecem descrever um longo período de transição: da adolescência à idade adulta. O desespero de Eu quero envelhecer (que entrou na enquete sobre as melhores músicas brasilienses realizada pelo Correio em 2009) é amenizado pela maturidade poética de Quitinete, que descobre a felicidade (provisória) em meio a uma rotina mecânica.
O próprio grupo não se exclui desse elenco de personagens quase comuns. Em Tupanzine e Emitivi apresenta, lançam um sorriso irônico para as roubadas e armações da música pop. Os produtores Gustavo e Thomas Dreher respondem com climas discretos de psicodelia sessentista, que, em Asa belhas e Todo mundinho tem seu fim, acenam para Júpiter Maçã e os primeiros discos do Mutantes. Mas não é de delírios que vive o Watson. Cada canção deste grande disco nos lembra que a história é real ; e também um pouco nossa.
Ouça a música Asa belhas, do artista Watson