Diversão e Arte

Pequenos circos sofrem com as dificuldades burocráticas para progredir

postado em 02/05/2010 16:12 / atualizado em 22/09/2020 10:30

No fim de uma rua esburacada do bairro Guairá 2 da cidade Águas Lindas, em Goiás, a tenda do Circo Mundial ocupa parte do horizonte do local onde predominam casas sem reboco e muita poeira. Embaixo da lona azul que abriga 570 lugares, o encanto de qualquer um que pise num espaço circense é substituído por uma sensação bem mais incômoda. Uma enorme quantidade de buracos no tecido deixa o teto do lugar com um aspecto de céu salpicado de estrelas. Mesmo em plena luz do dia. Na verdade, não há nenhuma poesia na decadência do espaço de trabalho de uma família tradicional de circenses que já alcança a quarta geração.

Izete Rozendo, 58 anos, matriarca da ;família Mundial;, entrou no circo com apenas três anos. ;A minha vida daria um livro! A gente percorria o Nordeste em carro de boi para fazermos os espetáculos. Naquela época, a tenda era feita com tecido de algodão e quem tecia era o meu marido. Era muito difícil. Depois, é que nós nos desenvolvemos e fomos para o Sul. Aqui começamos a usar o nylon;, relembra a ex-acrobata. Apesar da ascensão e do emprego em grandes circos como Le Cirque e Di Roma, Izete e o marido, Moacir, sentiram a necessidade de montar o próprio negócio para não deixar que a família (são nove filhos) se separasse e corresse o mundo integrando outras companhias circenses.

Há três anos, a família Mundial fez um investimento ambicioso de R$ 120 mil ao adquirir a lona em que se apresentam atualmente. A promessa era de que o produto duraria 10 anos. Mas, com apenas três de uso, já está em péssimo estado e não há como resgatar nenhuma garantia do fabricante. ;Eu sinto vergonha de receber o público com essa lona. É muito constrangedor!”, desabafa Silvânia Soares, uma das acrobatas da família. Quando adquiriram o tecido, o circo cumpria temporadas no Distrito Federal, por exemplo, no Plano Piloto, no Guará e em Sobradinho. ;Nós podíamos cobrar R$ 10 no preço do ingresso que as pessoas iam mesmo assim;, relembra Silvânia.

;Mas, desse jeito, nós temos de nos instalar em lugares onde o público é carente de atrações culturais. Aqui mesmo, nós estamos cobrando R$ 3 no preço da entrada. Mesmo assim, em dias de chuva, é preciso cancelar o espetáculo e devolver os bilhetes. Desse jeito, não juntamos o suficiente para trocar a lona;, calcula a artista. Além do inconveniente, reparos constantes têm de ser feitos em aparelhos de som e luz por causa do contato com a água.

Nascida em uma família circense, a acadêmica e pesquisadora de circo Ermínia Silva estende a importância da lona de circo numa perspectiva histórica e simbólica maior do que apenas um teto em que são feitas apresentações: ;Nós temos de ficar provando o tempo inteiro que o toldo é um espaço de trabalho, de moradia e, principalmente, uma escola permanente de formação dos circenses há 200 anos. Dificilmente, existem referências de lugares que agreguem todas essas características;.

Ouça entrevista com a historiadora Ermínia Silva



Mesmo assim, o espaço sofre com um preconceito histórico. ;É claro para todo mundo que quando cai um cinema ou um teatro é merecido um apoio público para reerguer a construção. O circo não é visto dessa forma. Os temporais de Santa Catarina, por exemplo, prejudicaram vários pequenos circos. As últimas chuvas no estado do Rio de Janeiro também têm nos deixado preocupados;, completa Ermínia.

Equipamentos

Desde 2006, um edital da Fundação Nacional de Artes (Funarte) vem ajudando vários circenses a adquirirem equipamentos. Inclusive, o toldo. No caso de circos de lona, o Prêmio Funarte Carequinha(1) é dividido em duas categorias. Uma contempla circos com capacidade para até 600 lugares e outra é destinada a espaços maiores. Quando foi lançado o primeiro edital, muitos circenses tradicionais reclamaram das exigências de praxe em qualquer concorrência pública, mas que não se adequavam à tradição do circo. Por exemplo, a exigência do fornecimento de um endereço fixo para uma atividade, geralmente, nômade. Outra dificuldade era o preenchimento de diversos formulários e fichas técnicas.

 



;Eu tentei em 2006, mas eles pediam vários documentos que nós não tínhamos. Aí, eu larguei de mão;, relembra Vandinho Soares, 42 anos, filho da família Mundial e atual administrador do Circo Mundial. Adaptações têm sido feitas nas licitações. ;Aceitamos inscrições de pessoas física ou jurídica. O desconto para pessoa física é de 7,5%, retido na fonte. Na jurídica pagamos integralmente, mas no final a deverá prestar contas ao imposto de renda. Já o endereço fixo pode ser o de uma cooperativa ou entidade de classe. Percebemos que os circenses de lona tinham dificuldades de apresentar currículo e ficha técnica. O circo tem uma tradição oral muito forte, então, liberamos esses itens necessários para que eles fizessem um depoimento gravado;, explica Marcos Teixeira, coordenador de circo da Funarte.

1 - Pequena ajuda
Inscrições para o Prêmio Funarte Carequinha 2010 estão abertas até 24 de maio pelo site www.funarte.gov.br. Informações: (21) 2279-8034 ou pelo e-mail circo.funarte@gmail.com

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