postado em 09/05/2010 16:57
Aos que já visitaram a ilha socialista, ir à abertura do projeto Afrolatinidades - Matriz africana da música latina do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), ocorrido na sexta e no sábado, é como revisitar o território de Fidel Castro. Com quatro encontros, com participação de artistas da América Latina, África e Europa, a banda Songoro Consongo conduz todos os shows da série. No primeiro, Tropicalidade caribenha: Cuba e centro América, com o grupo formado por brasileiros, argentinos, colombianos, chileno e venezuelano, subiram ao palco também os cubanos René Ferrer, radicado no Rio de Janeiro, e Pancho Amat.
O grupo abriu o projeto com a canção homônima, o que tornou possível descobrir a pronúncia do nome Songoro Cosongo. Os oito integrantes no palco já impressionam na primeira música, com a variedade de instrumentos e a voz do venezuelano Aléxis José Graterol, que mais parece um cubano devido à familiaridade com a salsa, assim como todo o conjunto. Depois, o bolero Jardín de besos antecede a presença de René Ferrer, que, assim que sobe ao palco, é como transportar o público às ruas de Havana, com seu visual e sua voz forte. Certa vez, em território castrista, uma amiga dissera que a beleza da voz de todos os nativos cubanos pode ter explicação no consumo de rum e charutos. Na apresentação, a teoria ganhou ainda mais sentido.
Além da voz, René anima a plateia com sua alegria e simpatia - presentes do início ao fim por todos os artistas. De sua autoria, ele e o grupo apresentam Como en cada mañana e Ochún, cantadas sempre sorrindo e acompanhadas de sua ginga caribenha. Songoro Cosongo chama a atenção pela versatilidade dos músicos, os quais quase todos tocam mais de um instrumento. O chileno Arturo Cussen lidera o show de uma hora e meia, com um português quase impecável - o sotaque é apenas perceptível em raras palavras -, como o próprio Pancho Amat ressalta mais à frente.
Os dreadlocks de René Ferrer dão lugar aos sapatos bicolores e ao chapéu habitual de Pancho Amat, considerado mundialmente o maior intérprete do tres cubano, uma derivação do violão com três pares de cordas duplas. Em estilo bastante diferente ao conterrâneo anterior, tanto em gênero, como no visual e na faixa etária, Pancho dá um show literalmente com seu instrumento. A figura do compositor e arranjador encanta pela habilidade dos dedos ágeis nas cordas duplas, pelo apreço que demonstra pelos músicos que o acompanham e pela paixão musical que transborda em suas pernas inquietas e tresloucadas, que parecem não suportar tamanha emoção. De Pancho, eles cantam Llegó el tresero, Tal vez a los 50 e En el Café.
O grupo "sui generis", cunhado dessa forma por Pacho Amat por ser um conjunto de música cubana sem ter um cubano sequer em sua formação, anuncia o fim do show com Lágrimas negras, de Miguel Matamoros. Os cubanos, na plateia e no palco, entram em êxtase e fazem coro com a canção. Todos os espectadores se levantam e alguns se entusiasmam ainda mais. Ao fim, o público bate palmas querendo bis e Arturo Cussen já avisa que haviam se preparado para este momento e apresenta Maracujá, composição da banda de múltiplas nacionalidades. A letra casa com o espetáculo, uma salada de artistas latinoamericanos: "maracujá, abacaxi, melancia, limão, misturado com cachaça fica muito bom". A impressão é que rum e cachaça dão um belo e frutífero casamento.