Nahima Maciel
postado em 17/05/2010 08:21
Mal se reconhece a paisagem brasiliense ao observar as fotografias do alemão Thomas Kellner. A cidade assume ares cubistas, os monumentos parecem inclinados em ângulos surreais e distorcidos. Brasília 50 anos de uma utopia moderna, em cartaz a partir de hoje no Espaço Cultural Contemporâneo (Ecco), apresenta uma capital desconstruída e remodelada aos olhos de um fotógrafo inconformado em reproduzir o que o olho humano podia captar.
Kellner desembarcou na capital pela primeira vez em 2004, a convite da curadora Karla Osório, diretora do Ecco. Acostumado a fotografar arquitetura pelo mundo desde os anos 1990, ficou naturalmente fascinado com o traço de Oscar Niemeyer e o planejamento urbano de Lucio Costa. Desde então, visitou a cidade pelo menos uma vez por ano para registrar os ícones arquitetônicos de uma maneira particular.
Caos ordenado
O fotógrafo não mirou a geometria nem a monumentalidade que geralmente seduz o olhar dos visitantes. Preferiu retalhar o que via em centenas de pequeninos quadros e reconstruir tudo de um jeito desconjuntado. Gerou um caos ordenado pelo instinto e pela emoção. Foram seis anos de estudos milimétricos de cada paisagem. "Foi a primeira vez que dediquei um projeto a um único arquiteto", conta. Os ícones de Niemeyer estão nas 14 imagens apresentadas no Ecco sob curadoria do crítico inglês Paul Wombell, mas Kellner também incluiu prédios de outros arquitetos. "Alguns eu até pensava que eram dele (Niemeyer), mas não eram." Palácio do Planalto, Catedral, Supremo Tribunal Federal e Teatro Nacional ganharam a companhia da Torre de TV e do Conjunto Nacional. As fotografias nunca estiveram expostas em Brasília, apesar de outras imagens do alemão terem sido alvo de uma mostra na Galeria Athos Bulcão durante o festival Foto Arte de 2005.
Kellner trabalha como um artesão. Fotografa cada canto do quadro imaginário traçado em volta da paisagem para construir uma imagem única. Algumas - caso do skyline da Esplanada - contêm mais 400 pequenos fotogramas. Tudo é feito com câmera analógica e na sequência observada no conjunto. Fotoshop e retoques digitais são opções desconsideradas pelo fotógrafo. "Não há nada de novo no fotoshop. Não preciso dele." É um processo minucioso e metódico, possível apenas graças aos desenhos e cálculos previamente realizados, como as linhas imaginárias traçadas no quadro para indicar a mudança de ângulo a cada disparo. "A sequência de frames é o próprio movimento da câmera, mas o ângulo nunca é o mesmo. Não posso lembrar exatamente os mesmos ângulos, então preciso seguir meu instinto e sentir minha emoção no momento", avisa.
Nascido em Bonn há 44 anos, Kellner se sentia insatisfeito ao usar a câmera como uma janela para a realidade. Inspirado na ideia plantada pela escola cubista no início do século 20, começou a pesquisar linguagens de desconstrução em fotografia. "Fico muito entediado de registrar coisas que posso ver com meus olhos. Vale a pena levar para um pedaço de plástico algo que posso experimentar com todos os meus sentidos? Para mim não, a menos que possa ter outra experiência", diz. "É uma abordagem muito pessoal na qual busco minha própria imagem e tento fazer algo original. Sei que não fui o único a fazer isso, mas não são muitos os fotógrafos que construíram uma obra assim."
A obra inclui imagens de ícones da história da arquitetura espalhados pelo mundo inteiro. Do Times Square, em Nova York, à Sagrada Família de Antoní Gaudí, em Barcelona, arquitetura é alvo constante. Ultimamente, no entanto, Kellner tem se aventurado em experiências com paisagens. Está intrigado em como construir uma linguagem a partir da pintura cubista e tem produzido um conjunto muito singelo de imagens que define como "quadros". Pode não haver novidade aí, mas certamente há poesia e uma beleza curiosa.
Fotogramas
Thomas Kellner leva em média duas horas para realizar cada imagem. Precisa ser rápido por causa da luz, que deve ser a mesma em cada um dos fotogramas. Quando as nuvens encobrem o sol, o fotógrafo espera que o vento as leve embora e devolva a luminosidade preciosa para a desconstrução.
Brasília 50 anos de uma utopia moderna
Exposição do fotógrafo alemão Thomas Kellner com curadoria do inglês Paulo Wombell. Abertura hoje, às 20h, no Espaço Cultural Contemporâneo - Ecco (SCN Q.3, Lt. 5). Visitação até 25 de julho, de terça a domingo, das 9h às 19h.