Diversão e Arte

José Celso Martinez Correa e o Teatro Oficina chegam a Brasília para temporada de intercâmbio e de quatro montagens

O Correio acompanha o começo dos trabalhos no Teatro Dulcina de Moraes

postado em 19/05/2010 07:00 / atualizado em 19/10/2020 11:49

Um coro de centenas de vozes ocupa o palco do Teatro Dulcina de Moraes, território histórico e sagrado construído pela visionária atriz, diretora, educadora e empresária. Numa grande roda, eles balançam ao som de um quase mantra bossanovista, acompanhado ao piano. Apesar do relaxamento corporal e respiratório feito minutos antes pelo atuador Marcelo Drummond, a expectativa está impregnada na atmosfera. Todos estão à espera de José Celso Martinez Correa, que entra silenciosamente, ocupa o centro e baila como uma pluma ao vento. ; Nô, bossa nova, ;tranzênicu;, canta o coro enquanto Zé Celso balança os quadris e pede para que todos o acompanhem. ; Mexe, negão, mexe, neguinha, propõe o diretor, que, em seguida, pede pra balançar o ânus ;ora aberto; ora fechado, expirando São João Gilberto.; É um ritual o que se estabelece ali. Não poderia ser diferente. Zé Celso e o Teatro Oficina Uzyna Uzona aportam na capital federal com o Carronaval das Dionisíacas para uma estada histórica. Ficam até o dia 30, comandando oficinas que sustentam o seu complexo jogo teatral e encenando quatro montagens do repertório na Esplanada dos Ministérios. Taniko (dia 27, às 20h); Estrela brasyleira a vagar ; Cacilda! (dia 28, às 18h); Bacantes (dia 29, às 18h) e O banquete (dia 30, às 18h) ocupam uma tenda-estádio com capacidade para 1,5 mil pessoas. A entrada é franca, no entanto, é sugerida a doação de um quilo de alimento não perecível. A passagem marca o fim do jejum teatral de Zé Celso em Brasília. A companhia, uma das mais importantes da América Latina, não vinha à capital do país desde que ele retornou do exílio. ; Nos anos 1960, o Teatro Oficina esteve por diversas vezes na UnB. E fez um trabalho importantíssimo. Desde 1971, a gente não se apresenta na capital do Brasil. Aliás, essa vinda eu dedico a Dulcina de Moraes, que já falava no terceiro milênio. Peço agora palmas crepitantes para essa mulher. O coro responde efusivo e, a essa altura, o palco de Dulcina de Moraes estava organizado no formato do teatro estádio, com os atuadores e Zé Celso posicionados ao centro, e as pessoas sentadas como se estivessem em arquibancadas. ; Então, o que Brasília quer saber de nós?, indaga Zé Celso, que dirige, com maestria, essa entrevista. ; Com que sentimento o Teatro Oficina pisa na capital federal depois de tanto tempo?, proponho. ; O sentimento é inaugural. Senti hoje um nervosismo como se fosse a primeira vez. A expectativa de estar na Esplanada, diante dos Três Poderes, como um poder estabelecido. Para o Oficina, o teatro tem o mesmo papel que o futebol e o carnaval. Então estar aqui, zen, teatro nô, bossa nova, ;tranzênicu;, no terceiro milênio, é iniciático, confessa Zé Celso. Anhangabaú da felicidade Nas últimas visitas de Zé Celso a Brasília, o trâmite foi por gabinetes de ministérios. O diretor veio aqui lutar contra a ameaça de especulação imobiliária no bairro paulistano Bixiga, que põe em risco a concepção do Teatro Oficina, criado por Lina Bo Bardi. A pendenga com o Grupo Silvio Santos, que antes queria construir um shopping e agora arquiteta erguer três torres de 700 apartamentos, ganhou o noticiário nacional e jogou na pauta do Instituto de Patrimônio Histórico Nacional (Iphan) a urgência de tombar o prédio e as adjacências como bem material do país. ; Esse projeto está para ser apreciado pelo conselho do Iphan, com apoio incondicional do Ministério da Cultura. Mas peço que todos fiquem atentos e cobrem o tombamento. Essa guerra dura 30 anos. Estamos firmes para ;reexistir;, desabafa Zé Celso, cantarolando o humorado trocadilho ;Anhangabaú da felicidade;. No encontro no Teatro Dulcina, Zé Celso fala dos pilares que sustentam o teatro estádio, que vêm de experiências como O rei da vela, de Oswald de Andrade, montagem-marco que aliou o teatro à tropicália e ao conceito antropofágico. Aproveita também para lançar ao cosmo o sucesso dessa estada em Brasília. Troca o tradicional ;merda; por ;ouro;, pedindo para que os participantes entoem a palavra e imaginem uma áurea dourada sobre si e a cidade. Inicia, sem dúvida, o que será a sua passagem por uma Brasília poética, longe de trâmites burocráticos e notícias de corrupção. ; Já está acontecendo, meu caro! Evoé! Vinho e teatro Taniko (dia 27, às 20h) ; A montagem tem uma hora e 40 minutos, sem intervalo. É baseada na obra de Zeami, dramaturgo e dançarino japonês criador do Teatro Nô. Estrela brasyleira a vagar ; Cacilda! (dia 28, às 18h) ; Tem seis horas de duração com intervalo. Continuação da peça Cacilda!, que teve em cena Leona Cavalli e Bete Coelho. A atriz Cacilda Becker é mostrada no começo de carreira, com atuação de Ana Guilhermina. Na arena, surgem personagens que foram fundadores do novo teatro brasileiro, como Ziembinski e Sérgio Cardoso. Bacantes (dia 29, às 18h) ; Espetáculo com seis horas e intervalo. Uma das obras mais contundentes do Teatro Oficina, com canções compostas por Zé Celso a partir da obra de Eurípides. Sagração da vida de Dionysios, o Deus do Teatro. O banquete (dia 30, às 18h) ; Duração de seis horas com intervalo. Comemoração das Dionisíacas numa ode ao amor que mistura ;entidades míticas; diversas como Zeus, Eros, Jesus e Fidel Castro. Todas as montagens não são recomendadas para menores de 16 anos. A tenda-estádio será montada na Esplanada e o ingresso pode ser trocado na hora da apresentação por um quilo de alimento não perecível. Todas as peças serão transmitidas online pelo site http://teatroficina.uol.com.br/uzyna_uzona

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