Diversão e Arte

O roteiro em debate

Ricardo Daehn
postado em 24/05/2010 08:31
Se o diretor Adirley Queirós crê que "cinema ainda é uma arte elitista", ele tem feito a própria parte para anular a constatação. Na ensolarada tarde de sábado, o cineasta proferiu, com direito a roda de ouvintes (sentados no chão), informal palestra voltada a questões de roteiro, no Centro Cultural e Desportivo de Ceilândia. Em pauta, as regras de como funciona a lógica do roteiro, a importância do silêncio na tela e as possíveis diferenças, em roteiros tradicionais, na hora de "contar a angústia da periferia". Oportunismo, sem dúvida, é uma palavra que incomoda o realizador de curtas-metragens como Dias de greve e Rap, o canto da Ceilândia: "Há gente sempre na perspectiva de alcançar o dinheiro público - ficamos na condição da espera de apoio. Está na hora de sermos vistos como artistas, independentemente da condição social". Formado em Cinema pela UnB, Adirley Queirós é uma referência na Ceilândia, na visão da professora Alessandra Lima, participante do debate. Aos 28 anos, ela leciona para alunos entre 14 e 16 anos e faz uso didático das fitas do cineasta no CEF 16. "O resultado é positivo. Os alunos veem um ambiente bem familiar, com uso de músicas com as quais estão familiarizados. A identificação é grande. Há melhora na autoestima", observou. A busca por "informação técnica" levou Alessandra à palestra: "Li o Manual do roteiro (de Syd Field) e, no encontro, pude aproveitar a discussão ampla do cinema e de como a produção do Distrito Federal entra no panorama nacional", comentou. Prestigiado por sete interessados na palestra, Adirley Queirós apresentou uma perspectiva realista do mercado de trabalho: "O princípio de organização do roteiro é o mesmo que vigora em Hollywood, mas num esquema em que a gente dialoga a partir das nossas diferenças culturais. Não existe roteirista no set de filmagem no Brasil. Meu processo vem de proposta definida, com domínio completo da pesquisa de campo", comentou. Em tom de bate-papo, Adirley comentou sobre as contribuições num roteiro feito em parceria e sobre os processos de seleção do MinC. O ocasional desprendimento em relação a um roteiro (nas filmagens) e as exigências dos documentários, "feitos no cotidiano, com pulsação e apenas aspectos da realidade" renderam assunto. "A diferenciação entre o roteiro feito para o documentário e para a ficção foi uma das coisas mais interessantes no debate", avaliou a professora particular (formada pela Universidade de Brasília em história) Mirna Almeida. Depois de um curso sobre dramaturgia clássica (no Espaço Cultural Renato Russo), ela busca mais instrumentos para tratar, em filme, do tema do aborto, tanto com funções "educacionais quanto de militância". "Ainda é um tabu muito grande, com empecilhos jurídicos, mas a autonomia da mulher sobre corpo é o que deveria prevalecer", opinou. Outro com projeto engavetado era o ex-comerciante Valtemor Bezerra, há 15 anos morador da Ceilândia. O interesse pela possível produção audiovisual com o músico Célio de Moraes ( baixista do Terno Elétrico) gerou a atração pela palestra. Valtenor, que filma casamento e aniversários e mantém trabalho institucional com o Centro de Ensino 9. "Discutimos uma ideia de cinema para a Ceilândia, desde a composição de equipe até a formatação de um projeto. Cinema é um hobby e um sonho profissional que pode virar realidade", concluiu. Ouça trechos da entrevista com Adirley Queirós

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