Irlam Rocha Lima
postado em 24/05/2010 08:45
Ney Matogrosso sempre subverteu valores convencionais, tanto na vida quanto na arte. É no palco, em especial, onde ele exercita como poucos a atitude transgressora, indo muito além do canto. Ao longo de sua carreira, o intérprete e o performer estiveram indissociavelmente lado a lado, mesmo quando a proposta do espetáculo resvala em algo ligado à formalidade.
Beijo bandido, apresentado na noite de sábado no Auditório Máster do Centro de Convenções Ulysses Guimarães, foi anunciado pelo cantor como um "quase recital". Não deixou de ser. Só que, mesmo usando figurino sóbrio para os seus padrões - terno bege sobre camisa de seda no mesmo tom, criados pelo estilista Ocimar Versolato - Ney deixou o "bom comportamento" de lado e soltou a franga.
Desde a abertura do show, com Tango para Teresa, mostrou que não estava para o comedimento. Ao contrário, logo nas primeiras frases do clássico popular de Evaldo Gouveia e Jair Amorim, já mostrou ao que veio, ao soltar a voz de timbre privilegiado com movimentos próprios do gênero musical portenho, consagrado internacionalmente.
A dramaticidade do artista pôde ser observada, também, em Da cor do pecado e Segredo, samba-canção que marcou o desacerto conjugal entre Dalva de Oliveira e Herivelto Martins, transposto para letra de música e encenado em recente minissérie da TV Globo. Fascinação (versão de Armando Lousada para a bela valsa de F.D. Marchetti e M.de Feraudy) que havia recebido intepretação definitiva de Elis Regina, emocionou o público de 1.500 pessoas, na releitura de Ney, que buscou valorizar cada verso. Resultado semelhante foi obtido em A distância, uma das mais inspiradas composições de Roberto e Erasmo Carlos, da safra setentista.
Contextos
O romantismo, presente em praticamente todo o roteiro de Beijo bandido, foi mostrado em vários contextos, por meio de canções com a assinatura de compositores de diferentes períodos da música popular brasileira. Os fãs do cantor aplaudiram calorosamente depois de ouvi-lo recriar De cigarro em cigarro (Luiz Bonfá), Medo de amar (Vinicius de Moraes), A bela e a fera (Edu Lobo e Chico Buarque), Nada por mim (Herbert Vianna e Paula Toller), Mulher sem razão (Cazuza, Dé Palmeira e Bebel Gilberto) e Invento (Vitor Ramil).
Mas Ney vai além ao imprimir uma levada frenética a Bicho de sete cabeças (Geraldo Azevedo, Zé Ramalho e Renato Rocha), com direito a rebolado; e refazer a complexa As ilhas, de Astor Piazzola, que havia gravado, nos longíquos anos 1970, na Itália, acompanhado pelo criador. A nova versão recebeu arranjo do talentoso pianista Leandro Braga, remanescente de antiga banda do cantor, assim como o violoncelista e violonista Lui Coimbra. A eles se juntaram neste projeto Ricardo Amado (violino e bandolim) e Felipe Roseno (percussão). Os quatro deram o suporte necessário para a estrela da companhia brilhar em cena.
Brilho realçado pela luz criada por um mestre do ofício (o próprio Ney), que contribuiu decisivamente para dar cores aos climas propostos pelas músicas. Ao voltar para o bis, sob gritos e assobios e outras manifestações carinhosas das antigas admiradoras - senhorinhas com idade acima dos 40 anos - o cantor atacou de Tema de amor de Gabriela, (composição de Tom Jobim para Gabriela, filme de Bruno Barreto; e Fala (João Ricardo e Luli), antigo sucesso do Secos & Molhados, que foi adicionada ao roteiro na rápida turnê por cidades de Portugal, na primeira quizena deste mês.
Avesso a comentários durante as apresentações, em Beijo bandido Ney se limitou a agradecer os aplausos. Antes de deixar o palco, pegou na mão estendida de fãs. Mais tarde, na porta do camarim, vários deles ganharam autógrafos e foram fotografados com o ídolo - entre esses, a embaixadora do Panamá, Gabriela Garcia. Já a aposentada Rafaela Costa, de 70 anos, depois de abraçar e beijar Ney fez um pedido: "Nunca deixe de rebolar".
Turnê na Europa
Beijo bandido, escolhido como melhor show pela Associação Paulista de Críticos de Arte - APCA, vai manter-se em turnê até o próximo ano. No segundo semestre, Ney Matrogrosso faz show em Londres e volta a cantar em Portugal. Segundo o empresário do artista, está sendo acertada apresentação na Itália.