Diversão e Arte

Decalques rentáveis

Ricardo Daehn
postado em 27/05/2010 09:51
A sucessão de reciclagens que chegarão às telas tem como embrião a prática que engordou cofres dos estúdios, especialmente nos lucrativos anos de 1980: a inesgotável capitalização de sucessos como Hellraiser (1987) ; que rendeu quatro fitas, na telona ; propiciou o ânimo aos produtores. Predecessor da série American Pie, Porky;s (desdobrado em duas continuações) firmou exemplo, ao se tornar a 27; bilheteria, em 16 semanas, com arrecadação superior a US$ 100 milhões. Naquela década, tudo se multiplicava, como confirmam versões em séries televisivas como Highlander (1986), franquia que teve outros dois filmes para cinema, a exemplo de Karatê kid (1984), em que o diretor John G. Avildsen alcançou sucesso de público e até uma indicação para o Oscar para o veterano Pat Morita, na trama que segue, para as artes marciais, a proporção do que Rocky, um lutador (de Avildsen) fez pelo boxe.

Das atualizações em curso, RoboCop (1987), outro visto em série, marcou a estreia nos Estados Unidos do holandês Paul Verhoeven (O vingador do futuro), escorado no potencial da tecnologia, relativamente arcaica, da animação em stop motion. O mesmo recurso deu estofo para o inglês Fúria de titãs (1981), que reafirmou o domínio dos efeitos visuais de Ray Harryhausen (do clássico Jasão e os argonautas, 1963). Num patamar igualmente elevado, Alfred Hitchcock reencontrou a literatura de Daphne du Maurier (mais de 20 anos depois de Rebecca) com a incógnita dos ataques (em área da Califórnia) de revoada, no cerne de Os pássaros (1963), indicado ao Oscar de efeitos visuais.

Conceitos

A tentação atual de renovar filmes célebres esbarra na decisão de acatar (ou não) conceitos estabelecidos por produtores do porte de Dino de Laurentiis, que responde pela vertente kitsch de Flash Gordon (1980), animado pelo som do Queen, e ainda por Barbarella (1968), a terceira parceria ; pontuada por erotismo forte e por psicodélica HQ ; do diretor Roger Vadim (; E Deus criou a mulher, de 1956), com a então esposa Jane Fonda. Temerária é a sensação de imaginar adulterado o cenário de Metropolis (1926), feito pelo austríaco Fritz Lang, ao longo de quase 11 meses, com participação de 25 mil figurantes, numa operação que quase levou a UFA à falência. Vale a lembrança das adulterações (já feitas) na obra de referência, que, em 1984, foi colorizada e incorporou música pop.

Títulos de cineastas famosos ganharão nova roupagem, em breve. Na categoria, entram Alan Parker (que deu volume à sensualidade na Nova Orleans de Coração satânico, 1987), Herbert Ross (Footloose ; Ritmo louco, hit também nas pistas de dança de 1984), Ivan Reitman (de Almôndegas, 1979) e o inglês Michael Winner, que alimentou por mais de 20 anos o retrato de crimes novaiorquinos, na série para a fúria de Charles Bronson, a partir de Desejo de matar (1974).

Também fecundo foi o quinhão dos quatro exemplares (em uma década) de Brinquedo assassino (1988), macabro sucesso disparado por Tom Holland (saído do marco A hora do espanto, de 1985) e alimentado pelo talento vocal de Brad Dourif. Na apertada agenda das retomadas de sucessos, há revival para nomes como John Milius (um dos roteiristas de Apocalypse Now) que, no passado, assumiu as rédeas de Conan, o bárbaro (1981), com Arnold Schwarzenegger. Outro a integrar o ciclo, A joia do Nilo (1985), por sua vez, derivado de Tudo por uma esmeralda, dará boa chance para rever a exploração, nos tempos atuais, do fanatismo do Oriente Médio, mostrado, antes, sob as trevas da ignorância. De fonte já carente de criatividade, Piranha promete bater nas telas, tendo como embrião a oportunista estreia, em 1978, do diretor Joe Dante, que seguiu o rastro do bem-sucedido Tubarão (1975).


Análise da notícia
Indústria do saudosismo


Tiago Faria

As cifras bilionárias de Avatar podem até ter acelerado algumas mudanças no jogo hollywoodiano. A ficção-científica de James Cameron confirmou, por exemplo, o domínio da tecnologia 3D digital no cinema de entretenimento. Mas o campeão de bilheteria perdeu uma batalha: não convenceu os grandes estúdios de que uma ideia original vale mais do que dezenas de produtos reciclados.

O próprio cineasta parece ter se contentado com a estratégia ; já anunciou duas continuações do longa-metragem mais bem-sucedido de todos os tempos. Antes de Avatar 2, no entanto, as telas serão tomadas por uma onda de refilmagens (e continuações) que deve ser interpretada como sintoma para dois males: a crise criativa da indústria e o comodismo do público, que paga para não ser surpreendido.

Sem a colaboração da plateia, a história provavelmente seria outra. O primeiro A hora do pesadelo, de 1984, arrecadou US$ 25 milhões. Ainda em cartaz, o modelo 2.0 da fita de horror já chega a US$ 50 milhões. Ressuscitar monstros dos anos 1970 e 1980 é um mercado tão promissor que a produtora Platinum Dunes, conduzida por um trio de cineastas liderado por Michael Bay (diretor de Transformers), se especializou no ramo.

Mais do que sanar a escassez de ficções verdadeiramente novas, a alquimia dos remakes se beneficia do saudosismo do público. O alvo declarado do novo A hora do pesadelo é o fã-clube trintão de Krueger, que assistiu à série original ainda na adolescência. Não é à toa que a maior parte das refilmagens de 2010 faz um flashback aos anos 1980, com títulos como Karatê kid, Fúria de Titãs e Footloose. Quem sai perdendo é o espectador que não viver só de passado: esse, como de costume, terá que esperar.

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