No circuito brasileiro dos shows internacionais, Brasília já pode se gabar da condição de emergente: só no primeiro semestre de 2010, a capital acolheu três das maiores bandas de pop rock dos anos 1980 (Guns N; Roses, Simply Red e a-ha), uma das maiores revelações da geração 2000 (Franz Ferdinand) e um pioneiro do blues (B.B. King). A caravana de ídolos não se encerra aí. Até o fim do ano, o brasiliense cantará os sucessos de Green Day, Simple Minds e Scorpions. A musa soul Lauryn Hill e os irlandeses do Cranberries estão em fase adiantada de negociações. Todos esses espetáculos, no entanto, esbarram numa deficiência antiga (e cada vez mais incômoda) da cena musical candanga: não há palcos adequados para recebê-los.
A carência é absoluta. Gerenciados pelo governo ou pela iniciativa privada, todos os espaços com capacidade para abrigar grandes shows funcionam a duras penas. A cada apresentação, produtores investem alto para driblar problemas técnicos e estruturais. Mas, ainda assim, é o público que muitas vezes sai no prejuízo. Para ver o Guns N; Roses, por exemplo, quem desembolsou R$ 240 por um lugar na arquibancada não conseguiu ouvir a voz de Axl Rose. No baile do Simply Red, em tenda armada no Pontão do Lago Sul, a disputa por vagas de estacionamento irritou os fãs. O show do Megadeth, em 22 de abril, quase não aconteceu: de última hora, o Nilson Nelson foi interditado pelo Corpo de Bombeiros por não cumprir exigências de segurança. Os metaleiros tiveram que se contentar com a área externa do ginásio.
Incertezas como essa rondam o cotidiano dos produtores. Eles sabem que, inesperadamente, o local agendado pode ser interditado. ;Tudo é, infelizmente, feito no improviso. É triste perceber que, com 50 anos, Brasília ainda não tem um lugar propício a grandes eventos;, lamenta Rodrigo Amaral, que organizou as apresentações do Guns N; Roses, do Megadeth e do a-ha. Em 16 de maio, reportagem do Correio mostrou que o Teatro Nacional Claudio Santoro, o Centro de Convenções Ulysses Guimarães e o Nilson Nelson não estavam de acordo com condições de segurança e, por isso, funcionavam sem alvará definitivo.
Nos três casos, só o Nilson Nelson se adequou às obrigações ; o ginásio foi reaberto na sexta-feira para jogos de basquete do Universo contra o Flamengo. Com reparos nas saídas de emergência e corrimões, o espaço passou por maquiagens. ;Eles permanecem com algumas pendências: o sistema de para-raios, as cores das portas de emergência e o sistema de iluminação de emergência, por exemplo;, lista o capitão Antônio Ferreira, adjunto da Seção de Vistorias e Pareceres do Corpo de Bombeiros. Ainda de acordo com o capitão, foram cumpridas apenas 18 das 44 exigências de segurança.
Mas nada que resolva as questões de acústica, que tanto atormentam os fãs de rock, por exemplo. Os shows do Simple Minds e do Scorpions estão marcados para o local. ;A cidade é realmente pobre em equipamentos para shows. Muitos estão detonados, outros têm várias restrições. O produtor tem que ficar inventando novos lugares. Ele ;se vira nos 30;;, observa Gustavo Sá, que produz o show do Simple Minds. Segundo ele, a onda de shows internacionais no Brasil é provocada pela queda do dólar e pela crise econômica nos Estados Unidos e na Europa. ;É um processo irreversível;, avalia. O público local, no entanto, não tem opções: em enquete no site do Correio, 85% dos leitores concordam que, apesar dos problemas recorrentes, o Nilson Nelson deve continuar recebendo grandes shows.
Próximas atrações
Simple Minds
# O quarteto escocês, de sucessos oitentistas como Don;t you (forget about me) e Alive and kicking, se apresenta no Ginásio Nilson Nelson, no dia 21 de agosto. Banda vendeu cerca de 40 milhões de discos desde 1979. O preço dos ingressos ainda não foi estipulado.
Green Day
# O trio americano vem a Brasília pela primeira vez para divulgar a ópera-punk 21st century breakdown, que estreou em primeiro lugar nas paradas de sucessos de 14 países. Domingo, dia 17 de outubro, em local ainda incerto. No Brasil, turnê passa por Porto Alegre, São Paulo e Rio de Janeiro.
Lauryn Hill
# A rapper de Nova Jersey, Estados Unidos, ficou conhecida com o trio Fugees e, no fim dos anos 1990, despontou em uma elogiada carreira solo. Os shows são imprevisíveis: ora empolgantes, ora introspectivos. As negociações para Brasília estão avançadas. Ainda sem data ou local definidos.
Scorpions
# O hard rock alemão do Scorpions, liderado por Klaus Meine, desembarca na cidade numa quarta-feira, dia 22 de setembro, no Ginásio Nilson Nelson (Brasília). São 45 anos de estrada. Espere por baladas como Still loving you e Wind of change. Ingressos à venda a partir de 14 de maio nas lojas Mormaii.
The Cranberries
# O quarteto irlandês liderado por Dolores O;Riordan faz a estréia brasiliense em um show com hits de pop rock dos anos 1990 como Dreams, Linger e Zombie. Ainda em fase de contratação, sem previsão de data ou local.
Palcos reduzidos para a cultura
Pedro Brandt
Tiago Faria
O Ginásio Nilson Nelson é um dos espaços mais visados pelos organizadores de eventos, mas não o único. A Concha Acústica e o Pavilhão de Exposições (Parque da Cidade) também carecem de estrutura propícia a shows. Entre as casas particulares, as opções minguam. No Marina Hall, na Vila Planalto, a ventilação é falha: até os escoceses do Franz Ferdinand reclamaram do calor exagerado. Para muitos produtores, a opção mais viável é ;construir; o próprio palco, em áreas como o Autódromo de Brasília e o estacionamento do Mané Garrincha. Uma estratégia que às vezes provoca constrangimento com os artistas. ;Estamos correndo risco de perder shows internacionais. Quando você informa que vai ser num estacionamento, isso pega mal, dificulta a compra do evento;, afirma Rodrigo Amaral.
Os produtores cobram a construção de espaços apropriados para a música e o investimento da iniciativa privada. ;A Secretaria de Cultura, no ano passado, estava trabalhando com a possibilidade de motivar empresários privados para criar ambientes de shows, com boa acústica e estrutura adequada;, conta Ione Carvalho, subsecretaria de políticas culturais da Secretaria de Cultura do Distrito Federal. ;A ideia era atrair capital privado para criar esses espaços porque o Estado não tinha condições de bancar uma construção dessa qualidade;, explica. ;Mas aconteceram todos esses problemas políticos recentemente e isso aí ficou em stand by;, continua.
O governador Rogério Rosso adianta que, reformado, o Estádio Mané Garrincha se transformará em uma opção viável para grandes eventos: ;Além da estrutura para esportes, será construída uma arena multiuso. Teremos talvez o melhor espaço para grandes show do país.; O Mané Garrincha será reformado para receber jogos da Copa do Mundo de Futebol em 2014. A previsão é que, um ano antes, o novo estádio esteja pronto.
A crise dos sem-palco não afeta apenas as atrações estrangeiras. O produtor Marcelo Piano, que organizou recentemente shows do Chiclete com Banana, Asa de Águia e Banda Eva, paga cerca de R$ 700 mil apenas para erguer áreas para as apresentações. ;Esse investimento acaba pesando no ingresso dos shows. Tenho que montar toda a estrutura: camarote, piso, tablados, bares. É a única saída que eu tenho para oferecer um evento de qualidade;, conta. No início de julho, Marcelo vai organizar o Brasília Indoor, com ídolos do axé, como Ivete Sangalo e Asa de Águia. Será no estacionamento do Mané Garrincha. ;Brasília é uma cidade ávida por entretenimento e o público não tem onde ver os artistas. Muitos dos espaços só se tornam apropriados quando se investe neles;, observa.