postado em 02/06/2010 08:28
Quem ficou assombrado com o visual exagerado e obscuro criado por Tim Burton para o clássico Alice no país das maravilhas certamente ainda não conferiu as ilustrações da norte-americana Camille Rose Garcia, cuja adaptação da obra de Lewis Carroll acaba de chegar ao país, pela editora ARX. Aqui, o gótico ganhou tratamento carregado de cores fortes, que parecem ter saído da paleta de um expressionista, e os personagens foram traduzidos de maneira, no mínimo, sinistra, a julgar pelo rosto insólito e aterrador de Alice. Camille não faz da obra uma história de horror que perturba o sono das crianças, mas talvez tenha chegado perto, com uma interpretação visual tão estonteante que faz o filme de Burton parecer um simples conto de fadas.
Em entrevista ao jornal norte-americano Los Angeles Times, Camille revela suas influências, que vão de John Tenniel, responsável pelos primeiros desenhos de Alice, ao universo Disney. Mas o seu trabalho também coleta informações da ficção científica de Philip K. Dick, da literatura do beat William Burroughs e até mesmo do comportamento das bandas punk The Clash e Dead Kennedys.
Tudo isso contribuiu para desenhos "sujos", no bom sentido, em que as imagens concentram excentricidade e ingenuidade, para pais e filhos. O resultado agradou aos fãs. No lançamento nos Estados Unidos, em fevereiro, o livro alcançou a lista dos mais vendidos do jornal L.A. Times.
Na mesma conversa com o periódico de Los Angeles, cidade onde nasceu, em 1970, a artista gráfica conta que tentou preservar o legado deixado por John Tenniel. "Quis permanecer fiel ao sentimento clássico do livro. Usando cores que faziam referência ao trabalho de Tenniel, mas eu adicionei um toque gótico", diz. Apesar das inúmeras adaptações e traduções dadas ao livro desde a primeira publicação, em 1865, algumas versões resistiram ao teste do tempo. Talvez a mais popular delas seja o desenho Disney, lançado em 1951.
Camille consegue imprimir às aventuras da garotinha uma atmosfera surreal que se dilui no cinema, tanto no filme de 1951 quanto no mais recente, já um estrondoso sucesso de 2010: faz uma conexão entre as dúvidas e sentimentos de Alice com as experiências dos pequenos leitores, mas sem apelar para tesouradas nos parágrafos do escritor inglês. As mais de 50 ilustrações da californiana cobrem praticamente todo o texto integral, diagramado em páginas que parecem envelhecidas nas extremidades, um recurso que parece visualmente dispensável para o casamento entre palavras e desenhos.
Camille Rose Garcia também é escritora de livros infantis e já escreveu três: The saddest place on Earth, The magic bottle e Tragic kingdom, todos ainda sem tradução nacional. Imagens dos dois primeiros livros citados podem ser vistas no site www.camillerosegarcia.com. Segundo ela, o próximo trabalho a ganhar tons góticos por suas mãos deve ser A Branca de Neve e os sete anões.
Alice no País das Maravilhas
De Lewis Carroll. Tradução: Tatiana Belinky. Ilustrações: Camille Rose Garcia. ARX, 160 páginas. R$ 39,90.