Diversão e Arte

Filme do cineasta sueco Torgny Andenberg registra preciosas imagens do painel do mestre modernista nas paredes da Igrejinha da 307/308 Sul

Severino Francisco
postado em 03/06/2010 07:00
O famoso painel que o pintor Alfredo Volpi, um dos mais importantes artistas modernos, realizou para a Igrejinha da 308 Sul, se transformou em lenda, pois só se tinha acesso a raras e precárias imagens fotográficas sobre ele, em preto e branco. É que um padre insatisfeito com as audácias modernistas do pintor na representação dos personagens e símbolos da devoção católica resolveu apagar tudo com uma mão de tinta, destruindo o trabalho. Mas, recentemente, o painel de Volpi deixou a sombra e ganhou nova luz, com a exibição do documentário Brasília, cidade modernista, do cineasta sueco Torgny Andenberg, exibido em uma mostra promovida pela Embaixada da Suécia, na passagem dos 50 anos de Brasília. Torgny visitou a cidade no período de construção e registrou rápidas, mas preciosas imagens em cores da intervenção de Volpi nas paredes da Igrejinha. A polêmica sobre a relação entre arte modernista e a devoção católica se reacendeu, no ano passado, quando o artista plástico Galeno, de Brazlândia, foi convidado para conceber um novo painel no mesmo espaço para substituir a obra de Volpi depredada pelo padre. Volpi é reconhecido pelas infinitas variações em torno das bandeirinhas de são-joão, das fachadas das casas de subúrbio e dos signos dos rituais religiosos populares. Pois Volpi levou o imaginário e a alegria de festa popular brasileira para o painel da Igrejinha da 108 Sul. Em uma primeira mirada, chama a atenção algumas semelhanças formais entre o painel de Volpi e a versão de Galeno. Na de Volpi, a parede lateral esquerda, no sentido de quem entra, é ocupada por bandeirinhas, portas estilizadas e cordas usadas como suporte para decorar as festas de são-joão. Na de Galeno, as crianças são representadas por pipas de um colorido exuberante, que despertaram reações muitas destemperadas de alguns fiéis. A imagem da Nossa Senhora de Fátima de Volpi é mais arredondada, acolhe o filho nos braços, mas também não tem rosto, da mesma maneira que a santa criada por Galeno. O Correio convidou o artista plástico para assistir ao documentário de Torgny Andenberg. Galeno já havia visto os paineis de Volpi em três fotos em preto e branco, mas essa foi a primeira vez que entrou em contato com o trabalho do mestre construtivista em suas cores originais. O azul de Volpi é mais calmo; o de Galeno mais intenso e luminoso: ;Fiquei muito tocado de ver essas imagens, pois a minha família veio para Brasília no início da construção da cidade. O azul é uma cor celestial, mas o do Volpi tem a ver com as cores que ele vivenciou em sua infância em São Paulo. Ele foi pintor de paredes e aplicou a tinta diretamente sobre a superfície das paredes. O que eu usei já tem mais a ver com a luminosidade intensa de Brasília. É um azul mais quente em sintonia com a tonalidade que o Athos Bulcão aplicou nos azulejos que ficam na parede externa da Igrejinha;. Segundo Galeno, as pessoas que contestaram o seu painel têm agora de 70 a 80 anos e conheciam o painel de Volpi. E, talvez, por isso mesmo, questionaram a sua intervenção na mesma linha abstrata, simbólica e construtivista: ;Eles tiraram os painéis do Volpi porque não queriam algo que ficasse próximo do realismo, não admitiam a arte simbólica moderna. Me disseram que queriam algo como as igrejas de Ouro Preto. O painel do Volpi é muito mais explícito do que o meu, parece mesmo uma festa de são-joão. Na parte da direita, que não aparece no filme, há um mastro de são-joão com um pássaro. Quando eu estava pintando, alguns comentaram comigo: ;Só está faltando um sanfoneiro;. Mas o Volpi foi muito respeitoso à fé religiosa. Ele usou o azul, que é uma cor celestial;.

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