postado em 04/06/2010 07:00
O tradicional Festival Internacional de Londrina (Filo) parece um pouco com o nosso Cena Contemporânea. Durante alguns dias, todos os olhares daquela cidade se voltam ao teatro. O respeito pela instituição artística coexiste com a ânsia por diversão e o público, alvoroçado, se abarrota nas filas para conquistar ingressos. A sorte do brasiliense amante dos palcos é que, além de ser base do Cena Contemporânea, a capital do país recebe anualmente um pedacinho do Filo durante a Mostra Internacional de Teatro, cuja edição 2010 começa hoje no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB).
Na programação, quatro espetáculos que divergem em nacionalidade, temática e linguagem, mas dialogam intensamente com o cenário contemporâneo em todo o mundo. ;Uma das coisas mais importantes para a seleção dos espetáculos é a pluralidade de estilos, como um festival de todas as artes. É uma tentativa de compor um painel da produção cultural no mundo. Isso se reflete na curadoria que vai a Brasília;, explica o curador do Filo e da MIT do CCBB, Luiz Bertipaglia.
A mostra é iniciada hoje no conforto da língua portuguesa pela consagrada Companhia do Chapitô, sediada em Lisboa. Baseada no texto de William Shakespeare, a comédia A tempestade conta a história de habitantes de uma ilha onde vivem monstros e espíritos, cuja tranquilidade é quebrada com a chegada de sentimentos como maldade e medo. Com 14 anos de vida, a Chapitô passou por Brasília em 2005 com o espetáculo Talvez Camões e conquistou o público pela narrativa simples e boa utilização de objetos de cena. Na nova montagem, o grupo preserva a força da interpretação gestual, baseada em técnicas clown e na Comedia dell;Arte.
Curiosamente, a companhia se popularizou mundialmente em virtude da tradição itinerante de seus espetáculos, que se refletiu, com o início da década, na internet. Todos mais recentes espetáculos da companhia estão na íntegra em vídeos na rede, disponibilizados pelos próprios integrantes para divulgar o trabalho e diminuir as distâncias entre grupos ao redor do globo.
Aproximar culturas também é chave na história do grupo francês LesTrois Clés, que se apresenta de 11 a 13 de junho. Originada da união de uma atriz brasiliense, Eros Galvão, e um chileno, Alejandro Nuñez, que se conheceram na França, a companhia agrega teatro de bonecos e arte circense em narrativas autorais.
O espetáculo La gigantea, o segundo criado pelo grupo, é baseado no livro Alá e as crianças-soldados, do escritor africano Amadou Kourouma, sobre um garoto que luta pela sobrevivência em meio à guerra. ;A essa obra, outras referências se acrescentam, tanto plásticas quanto literárias, como a visão apocalíptica do pintor Hieronymus Bosch, os contos primitivos e populares coletados por Henri Gougaud e o livro Muito longe de casa de Ismael Beah;, conta Eros Galvão.
Volta para a casa
Morando na França há 21 anos, a brasiliense não esconde a emoção de voltar à cidade com o espetáculo. ;Saí do país aos 18 anos e tenho a impressão de que tudo é novo, porque o Brasil que conheci é o Brasil da minha infância. Começo a entender e assumir uma postura desprendida em relação à nacionalidade, minha condição é hoje de uma itinerante;, acredita a atriz.
A Cia. Les Trois Clés está no Brasil desde fevereiro realizando oficinas em Belo Horizonte em parceria com o Catibrum Teatro de Bonecos. Apesar de conhecer pouco o trabalho dos artistas brasileiros, já estabelece diferenças entre o cenário nacional e o europeu. ;O reconhecimento é diferente e talvez maior na França, ligada a uma história muito antiga e diferente da nossa. O Brasil não tem o mesmo percurso e, consequentemente, a mesma maneira de pensar e agir;, conclui.
A Mostra Internacional de Teatro segue de 18 a 20 deste mês com Guerra, do grupo italiano Pippo Del Bonno. Inspirado na Odisseia, de Homero, o espetáculo mudo mostra a transformação de pessoas comuns em personagens grotescos dominados pela fúria, enquanto vociferam textos de Brecht, Charlie Chaplin, Pasolini e da Bíblia. Em 2004, a turnê do espetáculo por Israel e Palestina se transformou em documentário, que recebeu o prêmio David di Donatello de melhor longa-metragem em 2004.
Dies irae ; En el Réquiem de Mozart, da companhia espanhola Marta Carrasco, é um dos mais esperados da MIT. A diretora que dá nome à companhia é ganhadora do Prêmio Nacional da Dança catalão, em 2005, pelos projetos criados em 15 anos de profissão. Apresentado de 24 a 26 de junho, Dies irae critica a Igreja e desconstrói a composição de Mozart na interpretação de 15 atores bailarinos.
; Entrevista
Em que vocês se basearam para criar La gigantea?
Nos baseamos primeiramente no livro Alá e os meninos-soldados, do escritor africano da Costa do Marfim chamado Amadou Kourouma, que narra a vida de um menino soldado. A essa obra, outras referências se acrescentam tanto plásticas, quanto literárias, como por exemplo a visão apocalíptica do pintor HieronymusBosch, os contos primitivos e populares coletados por Henri Gougaud e o livro Muito longe de casa de Ismael Beah, auto-biografia que relata seu envolvimento na terrível guerra civil de Serra Leoa, onde ele foi um soldado aos 12 anos. Nossa pesquisa entre ficção e realidade, nos levou a uma constante: na cosmogonia de diversas civilizações, a árvore é o símbolo da vida por excelência. Assim, o nome do espetáculo é uma referência à planta Byblis Gigantea que brota em terras áridas e encontra-se atualmente em vias de extinção.
Qual é a sensação de voltar ao Brasil e a Brasília como um grupo de teatro consagrado?
E uma grande emoção. Porque nasci em Brasília e fui para França aos 18 anos. Hoje já tem 21 anos que estou fora do Brasil e experimento, muitas vezes, a sensação de ser uma estrangeira aqui e la. Mas até gosto. Acho que voltando ao Brasil para mostrar nosso trabalho, começo a entender e assumir uma postura desprendida em relação à nacionalidade e um pressuposto espírito patriótico, minha condição é hoje de uma itinerante. Ja vivi também na Italia e nossa companhia de teatro percorre diferentes países e encontra diferentes culturas. La Gigantea criamos na Romênia. Nossa companhia radicada na França é composta de romenos, franceses, chilenos e brasileiros.
E Lenine que canta "Cidadão do mundo, eu sou..." E o que sinto, não importa onde.
Estamos desde de fevereiro em Belo Horizonte realizando um projeto teatral e o estranho é que não tenho a sensação de estar voltando ao Brasil, porque vivendo aqui desde de fevereiro realizando um projeto teatral em Belo Horizonte, tenho a impressão que tudo é novo, porque o Brasil que conheci é o Brasil da minha infância.
Como você diferencia o reconhecimento do teatro que temos no Brasil com o da França?
O reconhecimento é diferente e talvez maior na França, ligado a uma historia muito antiga e diferente da nossa. O Brasil não tem o mesmo percurso e consequentemente a mesma maneira de pensar e agir. Tem um outro aspecto também que faz que o reconhecimento esta ligado ao conhecimento simplesmente. E ai entra o papel da educação.
O que você vê de diferente nos dois países em relação às linguagens desenvolvidas pelos grupos de teatro?
Não posso responder a essa pergunta, porque não conheço muito do teatro brasileiro. Tirar conclusões e fazer cooperações não teria muito sentido nesse momento, porque começo apenas a entender como a cultura funciona no Brasil. Já estivemos em 2007, fazendo uma turnê em diferentes capitais, mas nao pude assistir muitas coisas. Nossa experiência em Belo Horizonte tem sido enriquecedora.