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Diversão e Arte

Homenagem à boa comida com as festas juninas

Surgidas na Europa para celebrar as colheitas do meio do ano e depois incorporadas pela Igreja Católica, as festas juninas foram trazidas ao Brasil pelos portugueses. Até hoje, reúnem as pessoas ao redor de fartas mesas, repletas de quitutes deliciosos

A festa junina chegou ao Brasil nas caravelas portuguesas que ancoraram por aqui há 510 anos. Porém, a comemoração só se tornou o animado são-joão brasileiro depois de muita influência dos diferentes povos que ajudaram a construir o país. Mistura visível na infinidade de quitutes que fazem sucesso nessa época do ano. Da tradicional pamonha, passando pelo cuscuz nordestino e pelo arroz carreteiro sulista, não faltam opções criativas para os festejos. Afinal de contas, França, Portugal e Espanha podem até ter suas festas juninas, mas é improvável que os europeus tenham tanto sabor para festejar.

Ao contrário do que muitos imaginam, as comemorações de junho não têm origem cristã. ;É uma festa pagã e muito popular, que celebra a colheita dos alimentos. Esse tipo de evento é fundamental, pois é quando as pessoas agradecem o que há de mais importante: a boa comida;, explica o professor Ricardo Maranhão, doutor em história e coordenador do Centro de Pesquisas em Gastronomia Brasileira da Universidade Anhembi, em São Paulo. Quando os padres católicos europeus decidiram incorporar a festa junina ao calendário cristão, escolheram São João porque era o santo com o dia (24 de junho) mais próximo ao solstício de verão, que, no Hemisfério Norte, ocorre em 21 de junho e era celebrado nas festas pagãs.

No Brasil, o alimento que está em evidência nessa época do ano é o milho, uma vez que o auge da colheita do grão ocorre em maio. ;Entre tantas opções deliciosas no cardápio, podemos destacar a canjica de milho branco, o curau, o milho cozido ou assado e a pamonha;, aponta a professora Fabiana Nalon, mestre em nutrição humana e professora de história da alimentação do Centro Universitário Unieuro. Além da culinária tradicional, as festas também incorporaram pratos regionais. No Sul, por exemplo, é costume comer pinhão e arroz carreteiro. Já no Nordeste, é servido o xerém com galinha cozida, o cuscuz com bode e a favada. ;No Centro-Oeste, é comum a galinhada e o mané-pelado, bolo feito com mandioca;, diz Fabiana.

Outros pratos típicos se adequaram ao cardápio junino a partir de influências estrangeiras. Ricardo Maranhão destaca os assados, comuns em festas do Sul e do Sudeste. ;Em muitos lugares, há o peru, o frango e a leitoa assada. Há, inclusive, o costume de leiloar o leitão e doar o dinheiro arrecadado à igreja;, diz o professor. O quentão também é uma adaptação estrangeira. Em países frios, o povo adota o grog (bebida alcoólica quente), feito com bebidas de cada local ; vinho, conhaque, entre outras. No Brasil, o quentão é preparado com a nacionalíssima cachaça e especiarias como gengibre e canela.

A sempre generosa cultura brasileira ainda abre espaço para alimentos que não têm nenhuma origem particular, mas que conquistam apreciadores nesse período do ano. ;É o caso do cachorro-quente, do churrasquinho, do chocolate quente e da maçã-do-amor, todos bastante difundidos nos cardápios juninos;, comenta a professora Fabiana. Muitas vezes, determinado prato acaba conhecido em todo o país, mas recebe um nome diferente em cada local. No Nordeste, por exemplo, a canjica de milho branco se chama mungunzá e o curau, esse sim, lá vira canjica. Outro exemplo é a paçoca: no Sudeste, é a paçoquinha doce. Já no Nordeste, a paçoca de pilão tradicional é uma farofa de carne-seca.

Para todos os gostos

Com tanta flexibilidade culinária, é possível, ainda, montar um cardápio que contemple pratos nem tão juninos assim. No restaurante Severina, na 201 Sul, especializado em comida nordestina, o cliente pode incorporar ao menu junino receitas como a do escondidinho de carne seca, a do baião de dois por dois e a do cuscuz com coco ralado. A casa funciona todos os dias para almoço e, à noite, o espaço pode ser alugado para festas.

Patrícia Machado Linhares, que cuida do Severina com a mãe, Irany Lopes Machado, conta que o restaurante fica muito mais movimentado em junho. No entanto, é possível provar as delícias juninas da casa o ano inteiro, uma vez que o cardápio para festas é montado a gosto do cliente. ;Brasília concentra uma enorme quantidade de nordestinos. Fora dessa época, oferecemos os quitutes juninos, até porque alguns deles já são presentes na mesa nordestina;, diz Patrícia.

Outra opção na cidade é a Casa dos Biscoitos Mineiros, que tem receitas que respeitam os sabores tradicionais juninos. No menu especial, há quitutes como o curau, o arroz-doce, a cocada e o caldo-verde. Há espaço também para os regionais empadão goiano e coxinha caipira. A casa (106 Sul e 210 Norte) espera um aumento de 15% nas encomendas até o fim do mês. Márcia Teixeira, uma das fundadoras da Biscoitos Mineiros, afirma que o segredo das receitas é o preparo em pequenas quantidades. ;Além disso, os ingredientes precisam ser bem selecionados;, revela a proprietária, que abriu a confeitaria com a mãe, a biscoiteira Maria Madalena Teixeira, em 1996.

Mas, como muitas festas juninas funcionam no esquema ;colaborativo; ; onde cada convidado leva um prato ;, a professora Fabiana Nalon dá algumas dicas para a preparação dos alimentos. Além de higienizar utensílios e bancadas, ela recomenda que os pratos sejam feitos um de cada vez. ;Comidas com carne devem ser preparadas na hora e devem ser servidas bem quentes, nunca mornas ou em temperatura ambiente. Os caldos e a canjica podem ser preparados com antecedência, mas devem ser guardados na geladeira e, na hora de esquentar, é preciso esperar ferver;, diz.

Bolos preparados no dia são mais saborosos, mas podem ser feitos na véspera. Os mais molhados, como o de mandioca, estragam mais rápido do que os bolos mais secos. Já alimentos como pé de moleque, paçoca e os tradicionais doces de abóbora em pedaços possuem boa durabilidade e podem ser comprados prontos.

; Para saber mais

Adaptação religiosa
A homenagem a são João nas festa juninas foi feita porque era ele quem tinha a data mais próxima ao solstício de verão. A incorporação da festa pela Igreja ocorreu na Europa durante a Idade Média, quando os padres perceberam o alto apelo popular da celebração.

Mesmo sendo uma festa pagã, o cristianismo adotou vários costumes da festa junina, entre eles, o da fogueira. Muitos acreditam que a fogueira é acesa para ;acordar; São João, ou então que ela simboliza o anúncio do nascimento de João Batista, primo de Jesus Cristo. ;Na verdade, isso não passa de lenda católica. A fogueira é acesa em homenagem ao deus do fogo. Está relacionada aos instintos, é uma coisa muito mais carnal;, aponta o professor Ricardo Maranhão, da Universidade Anhembi.

Maranhão também lembra que a festa junina é um momento altamente propício para a paquera. ;Embora o santo casamenteiro seja Santo Antônio, o que mais combina com o encontro amoroso é São João. Há até uma música de Noel Rosa que diz: ;Nosso amor que eu não esqueço / E que teve começo / numa festa de São João;.;

Uma das especialidades juninas da Casa dos Biscoitos Mineiros é o curau de milho verde. Apesar da receita simples, as fundadoras da casa afirmam que há um segredo especial na hora de fazer a iguaria. Confira:


; Receita: curau de milho verde

Ingredientes:
Milho verde
Açúcar
Leite

Modo de fazer:
Rale o milho. Depois passe-o na peneira duas vezes, acrescentando o leite para ajudar a coar. Leve a mistura ao fogo, junte o açúcar e uma pitada de sal. Cozinhe em fogo brando, mexendo sempre até dar o ponto desejado. Servir com canela em pó ou em pau para decorar.