Diversão e Arte

Com o show Bare bones, Madeleine Peyroux apresenta canções inéditas e confirma a boa safra de estrelas do jazz

Nahima Maciel
postado em 12/06/2010 11:56
O caminho foi longo. A cantora norte-americana Madeleine Peyroux precisou de três discos e 12 anos de estrada para chegar a Bare bones. Lançado no ano passado, o álbum é o primeiro a trazer unicamente canções compostas pela própria Madeleine. Agora que engrenou no papel de compositora, ela confessa estar muito produtiva e ansiosa para compartilhar quatro novas canções, todas inéditas, com o público brasileiro.

Depois de passar por Buenos Aires e São Paulo, Madeleine desembarca em Brasília para show da turnê de Bare bones. Desde 2007, a cantora franco-americana vem ao Brasil praticamente todos os anos. Hoje ela se apresenta na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. A última vez que Madeleine esteve em Brasília, em 2007, o show não foi exatamente um sucesso. A acústica ruim do auditório do Centro de Convenções prejudicou artista e público, que não conseguia ouvir a voz da cantora em certos momentos. Além disso, o iluminador da apresentação insistiu em manter a luz acesa com foco na plateia durante todo o espetáculo. Muitos nem conseguiram ver Madeleine no palco por conta da luz no olho, sem contar os pedidos insistentes para que a americana cantasse em francês, já que gravou duas músicas nessa língua.

Mas Madeleine guarda boas lembranças de Brasília e do show. ;Gosto de descobrir, aprender e ser instruída pelo público e gosto de guardar essa relação entre eu e o público;, explica, pelo telefone. De Nova York, onde mora, e com a voz escura que soa bem diferente do tom aveludado quando acompanhada pelos instrumentos, ela concedeu entrevista em que conta estar no começo de um novo caminho e diz não acreditar que as novas vozes femininas do jazz sejam fruto de uma moda.

BARE BONES
Show de Madeleine Peyroux. Hoje, às 22h, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. Ingressos: R$ 240 e R$ 120 (meia) Quarto disco de Madeleine Peyroux, com produção de Larry Klein. Lançamento Universal. Preço médio: R$ 36,80

; Entrevista Madeleine Peyroux
Madeleine Peyroux agora investe em composições próprias: artista traça novos caminhos, mas sempre ancorada ao jazz


É a primeira vez que você grava um disco inteiro com canções compostas por você mesma. O que isso traz de diferente?
É mais excitante descobrir uma música que nunca foi gravada, tem um sentido de nascimento, do início ao fim da gravação há uma espécie de descoberta que não é exatamente igual. Normalmente tento me instruir, escutar todas as gravações de uma música que já existe e saber o que foi feito. Procuro saber se é possível fazer algo pessoal e novo com uma música que já foi gravada por ídolos e grandes intérpretes. Descobri muitas coisas gravando minhas próprias músicas. Descobri mais liberdade. No fim do dia, percebo que é um trabalho essencial. Sempre quis escrever e experimentar os horizontes da criação. É uma parte do meu trabalho, mas acabei de começar. Não terminei ainda descobrir o que tenho a dizer e quero dizer de forma cada vez melhor.

Foi um caminho muito longo?
Sim. Mas agora me sinto como se estivesse no meio de um trabalho que vai continuar a se desenvolver. Estou escrevendo canções que melhoram o que fiz antes, e estou muito excitada de levá-las comigo ao Brasil.

Há um tom confessional nesse disco? Músicas como Homeless hapiness falam de viver na rua, experiência que você conheceu.
Sim, é verdade que é confessional no sentido de que faz parte da minha compreensão da vida, da minha maneira de ver as coisas, mas não acho que diga respeito somente a mim. Algumas, mais que outras, nesse álbum, são bem confessionais. Homeless hapiness é uma maneira de tentar compartilhar um ponto de vista universal sobre esse modo de vida na rua, desprendido, sem seguir a moda convencional. Mas só eu penso assim? Acho que não, acho que o interessante é que encontrei tantos personagens que vinham de lugares tão diferentes do mundo (quando vivi) em Paris e era isso que eu queria mostrar, dividimos essa sensação de liberdade.

Muitas cantoras de jazz andaram surgindo na última década. Você se sente parte desse boom ou se sente descolada disso?
Não me sinto descolada desse cenário que vem do desenvolvimento da mulher profissional nas artes e nas culturas do mundo. Penso que se você me fala de moda, é outra coisa. Talvez haja uma moda de ter cantoras, mas isso eu não estou sabendo. A cantora mulher que faz o espetáculo não é uma coisa nova e essa mulher dá conta da sua própria realidade, tem suas próprias razões, suas próprias histórias. A mulher no palco sempre foi vista superficialmente. Tenho a impressão de que é hora de se desvencilhar disso tudo. Muitas mulheres tentaram fazer isso antes de mim e estão tentando fazer isso hoje. E eu queria fazer parte desse grupo. É um trabalho muito longo e duro. É lento. Antes uma mulher precisava estar com raiva ; como Nina Simone, Billie Holliday ; para se fazer escutar. Aí as pessoas diziam: ;Ah tá, tudo bem, ela tem algo a dizer;. Já vimos isso. Agora estamos vendo mulheres que têm coisas a dizer e não precisam estar com raiva para serem ouvidas. Mas é duro. Existe sempre muitos estereótipos. Para ser respeitada como uma artista enquanto mulher vai ser longo e, para mim, é o que tem de excitante no mundo artístico agora.

Na última vez que esteve em Brasília, a plateia perturbou você pedindo canções em francês e você explicou que não era uma cantora francesa. Também tocou em um auditório de péssima acústica. Que lembranças tem desse concerto?
Honestamente, não me lembro dessa história sobre as canções em francês, mas tenho certeza que não me chateou. Eu fiz o que podia. Tenho algumas músicas em francês e não todo o repertório, mas me lembro muito que foi uma experiência calorosa. Gostei muito e é isso que conta. É bom comunicar e gostaria de escutá-los também.

Há lugares em que você prefere cantar? Casas pequenas, mais intimistas, auditórios?
Depende, cada lugar é diferente. Há pequenos lugares que não são íntimos e há grandes lugares muito íntimos. Eu estou sempre pronta a continuar a discussão com o público em um lugar onde podemos nos ouvir sem se escutar. Preciso de silêncio para ouvir a música, conversar com o público e dividir tudo isso. É o público que faz o espetáculo.

Você compõe em francês?
Tentei e continuo tentando. O vocabulário é muito diferente e muito pequeno, menor que meu vocabulário em inglês. O som das palavras muda muita coisa, mas a atitude sobre a vida eu compreendi porque morei lá, cresci lá. O que posso dizer é que, se escrevo algo em francês, isso não vem de uma sensibilidade francesa, mas de uma sensibilidade humana. Mas gosto muito do fato de poder expressar algumas coisas com palavras em francês que não são nem um pouco evidentes em inglês, como um pouco de dor, uma alegria reservada, um distanciamento, gosto disso em francês.

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