A relutância em ;deixar que o passado seja o passado; alimenta muito das discussões propostas pelo pesquisador Robert A. Rosenstone, ao longo da narrativa de A história nos filmes/ Os filmes na história. Para além da visão do cinema na reconstituição dos fatos, ele ; que foi consultor histórico do obscuro documentário The good fight (1984), mas também da superprodução premiada com vários Oscar, Reds (1981) projeta os filmes como reveladores de ;uma nova forma de pensamento histórico;. Não se trata de afronta à visão tradicional, uma vez que o autor é ciente de que ;aceitar que o cinema pode transmitir um tipo de história séria vai contra quase tudo o que aprendemos;. Rosenstone desqualifica a profundidade do ;conteúdo informativo; e da ;densidade intelectual; emanada da tela, pelo óbvio motivo de a ;historiofotia; (que abrange o discurso fílmico) ser centenária, e limitada em relação aos ;2,5 mil anos da história escrita pelos ocidentais;.
Descrita como ;uma série de convenções; para a sistematização do passado, a história, na ótica do pesquisador, foi fagocitada, com a quebra de preconceitos que separavam alta e baixa culturas. O imediatismo cobrado por parte de uma produção cinematográfica ; ao lado do leque de verdades (factuais, narrativas, emotivas, psicológicas e simbólicas) reclamadas pelo veículo ; surge como impeditivo à construção de ;dados concisos que enchem os livros de história;. No capítulo ;Drama comercial;, o apelo é para o desprendimento do conceito da história ;como algo pesado e sólido;. O patamar dos filmes estaria acima da transcrição literal dos fatos: ;Está na hora de parar de esperar que os filmes façam o que (na nossa imaginação) os livros fazem;. Vale, porém, notar o exagero na nova concepção, em que, ;olhos, corpo e coração; servem como argumento para limar uma percepção ;anistórica; associada ao cinema.
No desenvolvimento de A história nos filmes/ Os filmes na história, o escritor valoriza o olhar ;nada sentimental e as escolhas de montagem inusitadas; nos títulos fora do circuito hollywoodiano (;os Estados Unidos não tiveram um monopólio dos filmes históricos;, sublinha), tendo como exemplo Queimada (de Gillo Pontecorvo), revelador do sistema colonial de investimento, tendo episódios de um revolucionário em ilha colonizada como base. Herdeiros de Sergei Einseinstein, que ;colocaram as massas no centro do processo histórico;, são listados, com destaque para Cacá Diegues, capaz de radicalismo em Quilombo (1984), no qual os intérpretes dos escravos fugitivos ganham o comentário de ;atores vestidos como se estivessem participando do carnaval;.
Se aponta ;ideias contraditórias; em Roberto Rossellini (o verniz marxista é um dos alvos de ataque), Robert A. Rosenstone celebra feitos de diretores ;obcecados e oprimidos pelo passado;. Nessa escala, entram Paolo e Vittorio Taviani (retratistas da modernização na Itália); Margarethe von Trotta (que ilustrou os embates germânicos contra fascismo e comunismo); o menestrel da guerra civil grega, Theo Angelopoulos, e os efeitos do colonialismo sobre a África, nas fitas de Ousmane Sembene. O exame do ;democrata como imperialista;, também é alvo de debate, a partir da exaltação da comédia de humor negro Walker (1987), de Alex Cox, que explicita os interesses de William Walker, tornado presidente da Nicarágua, com manobras políticas elaboradas em meados do século 19.
Depois de demover o registro demoníaco que recobre a interpretação de O nascimento de uma nação (1915) ; marcado pelo ;reflexo razoável da melhor história acadêmica da época; ;, o escritor se aprofunda no debate em torno do clássico Outubro (1928). Numa comparação, apesar de perceber uma minimizada na contribuição de Lênin e do partido no processo da Revolução Bolchevique, o saldo é de aproximação do filme com as versões dos historiadores. No paralelo entre o diretor Sergei Einsenstein e do autor de Dez dias que abalaram o mundo, John Reed, que teria ;brincado conscientemente com o tempo;, inventando a revolução como ;um drama de 10 dias;.
Dividendos bélicos
No contexto histórico, a Segunda Guerra desponta como tema caudaloso. No oitavo capítulo, o ;Holocausto; (com direito a citação de Theodor Adorno ; ;Depois de Awschwitz, escrever um poema é um ato bárbaro;) passa ao primeiro plano, já que foi assunto para 782 longas (até 1999). São, no mínimo, interessantes as observações feitas (não apenas ao famosos A lista de Schindler e Shine ; Brilhante) aos filmes Uma cidade sem passado (1991), ;em que nenhum judeu aparece;; Filhos da guerra (1990), ;protagonizado por um pênis judeu sem prepúcio; e As 200 crianças do Dr. Korczak (1990), do mestre polonês Andrzej Wajda. Casos excepcionais, como o veto (na distribuição) a Yuki yukite shingun ; motivado pelas cenas de canibalismo entre soldados, durante a Segunda Guerra ;, também funcionam como atrativo, na leitura.
Acatando a sensibilidade contemporânea, o estudioso atrela argumentos visuais, simbólicos e metafóricos, para valorizar a obra dos realizadores. Oliver Stone, qualificado como ;historiador pós-moderno; (e propulsor do capítulo ;Cineasta/historiador;), surge como peça fundamental: ele dá o exemplo dos diretores que ;visualizam, contestam e revisam; fatos passados. A repercussão da produção dele, aliás, extrapola as telas. Com JFK ; A pergunta que não quer calar, a pressão no âmbito da opinião pública levou o Congresso americano a trazer à luz documentos relacionados ao caso da morte do presidente John Fitzgerald Kennedy.
Desprovido do ;espírito de objetividade;, Oliver Stone (um ex-voluntário da Guerra do Vietnã), à frente de dramas ;sombrios e conspiratórios;, se prova exemplo de discurso capaz de regurgitar dados passíveis de serem contestados. No repertório de Stone, Robert A. Rosenstone acusa, além da inventividade, uma ;montagem rebuscada;, no corpo de filmografia que aglomera ;significado amplo e cumulativo;. Para rever o conceito de história, talvez, seja necessário de fato dar ouvidos a Oliver Stone: ;O que é história? Algumas pessoas dizem que é um monte de fofocas criadas por soldados que as espalharam em torno de uma fogueira;. (RD)