O herói do filme Kick-Ass ; Quebrando tudo, que estreia nesta sexta em Brasília, não mete medo em ninguém. Pelo contrário: quando muito, provoca risadas. Branquelo, Dave Lizewski é um adolescente de Nova York que decide proteger os indefesos. Pela internet, o fã de revistas em quadrinhos compra um uniforme verde e amarelo que mal se ajusta a um corpo franzino, carente em massa muscular. Mas a fantasia meio carnavalesca não o desanima. Sem superpoderes, o nerd adota o codinome Kick-Ass, sai às ruas da metrópole e, como era de se prever, é espancado, atropelado e humilhado por bandidos de segunda divisão.
Que ninguém subestime, no entanto, as armas secretas desse paladino de fundo de quintal, interpretado pelo britânico Aaron Johnson. Desde que começou a assombrar o mundo do cinema, o justiceiro instiga todo tipo de reação forte. Menos desprezo. É temido e adorado por uma multidão. Quando estreou nos Estados Unidos, em abril, Kick-Ass provocou o impacto de uma banda de thrash metal: dividiu o público entre fãs xiitas e detratores ferozes. O motivo do estardalhaço está estampado na película, e em cores berrantes. A pancadaria explícita destilada por esse grupo de heróis amadores provoca arrepios nos espectadores mais sensíveis e rende discussões sobre o excesso de violência em filmes sobre (e para) adolescentes.
Despertar controvérsias é o alvo do diretor britânico Matthew Vaughn, de 39 anos. O cineasta, que começou a carreira como produtor de Guy Ritchie (em Jogos, trapaças e dois canos fumegantes e Snatch ; Porcos e diamantes), nunca foi de pegar leve. O primeiro filme da carreira, Nem tudo é o que parece (2005), é um thriller de trapaceiros movido a testosterona. Depois de deslizar feio na fantasia de Stardust ; O mistério da estrela (2007), o peso-pesado retorna ao ringue com uma aventura sangrenta e politicamente incorreta. ;Batman, Super-Homem e Homem-Aranha estão todos muito velhos. Eu me perguntava pelos heróis modernos. Onde eles estavam? Onde estavam as versões pós-modernas dos filmes que todos nós adoramos?;, polemizou Vaughn, em entrevista à BBC.
[SAIBAMAIS]De fato, o herói do filme faz sucesso via YouTube e MySpace. Não é nada nova, entretanto, a história do sujeito comum, sem qualidades, que se arrisca a defender a humanidade. Em Watchmen, Alan Moore e Dave Gibbons usaram essa premissa para criar um clássico do gênero (que rendeu uma adaptação malcriada, adulta, dirigida por Zack Snyder em 2009). Mas a malagueta de Vaughn atende por Hit Girl. Interpretada por uma menina de 11 anos de idade (Chlo; Grace), a heroína é nota zero em conduta: fala palavrões e trucida os malvados. Instruída pelo pai (Nicolas Cage), um ex-policial que arquiteta vingança contra um chefão do tráfico, ela se mostra uma versão teen para femme fatales como A Noiva, de Kill Bill.
Os trajetos tortos de Kick-Ass e Hit Girl se cruzam quando o rapaz finalmente consegue impedir um crime. Os dois personagens, cada um a seu modo, são versões de carne e osso para fantasias adolescentes de Mark Millar, autor da série de quadrinhos que inspirou o filme O procurado (2008), com Angelina Jolie. A trilogia Kick-Ass começou a ser escrita com o longa-metragem, em um processo de colaboração com o diretor do filme. Os grandes estúdios rejeitaram o projeto (alguns queriam que os personagens fossem mais velhos), que foi produzido com dinheiro de
Vaughn e de amigos como Brad Pitt. A Associação da Família Australiana, uma entre tantas insatisfeitas, pediu a proibição do longa. ;A linguagem é ofensiva e os valores não são apropriados;, atacou o porta-voz John Morrissey.
Com US$ 94 milhões arrecadados no mundo todo (e até jogo de videogame lançado), Kick-Ass já tem continuação engatilhada, para 2012. Enquanto isso, Vaughn se encarrega do novo produto da franquia X-Men. ;Quando compararam meu filme a Laranja mecânica, eu pensei: era exatamente isso o que eu eu queria;, comentou. Stanley Kubrick e gibi? No mundo louco de Kick-Ass, até isso é possível.
Proibido para menores
Conheça outros sucessos de bilheteria que, inspirados em quadrinhos, pesam a mão na violência.
Watchmen ; O filme (2009)
A adaptação sangrenta e politicamente incorreta faz justiça ao espírito insolente da HQ de Alan Moore e Dave Gibbons, uma obra-prima das graphic novels. Como em Kick-Ass, cidadãos comuns saem às ruas para fazer justiça na marra ; e com uniformes extravagantes.
Sin City ; a cidade do pecado (2005)
Para manter-se fiel à pegada noir de Frank Miller (que codirige o filme), o cineasta Robert Rodriguez transporta a HQ para a tela sem aliviar os aspectos mais sombrios da trama. Vingança, sexo, assassinatos e traições são os ingredientes de um thriller filmado em tons chapados de preto, branco e vermelho.
Oldboy (2003)
Apesar de ter sido inspirado em um mangá escrito por Nobuaki Minegishi e Garon Tsuchiya, o longa é um cartão de visitas para o cinema visceral do sul-coreano Park Chan-wook. O herói sai às ruas após um confinamento de 15 anos dentro de um quarto de hotel. Vingança é o tema.
O procurado (2008)
Um contador sem qualidades (James McAvoy) descobre ter habilidades especiais nesta acelerada fita de ação dirigida pelo russo Timur Bekmambetov e com ecos de Matrix. Angelina Jolie está no elenco de um longa inspirado em série de quadrinhos de Mark Millar, autor de Kick-Ass.
300 (2007)
O encontro entre o autor de graphic novels Frank Miller (Sin City) e o diretor Zack Snyder (Watchmen ; O filme) não poderia ter rendido um banho de sangue menos estilizado (o design do filme beira a animação digital) ou truculento. Gerard Butler o líder machão dos 300 espartanos, Leônidas.
Mensagem
(Kick-Ass, EUA, 2010, não recomendado para menores de 18 anos). De Matthew Vaughn. Com Aaron Johnson, Nicolas Cage e Chl;e Moretz. Estreia amanhã em Brasília. Confira salas e horários no caderno Divirta-se.