Ricardo Daehn
postado em 22/06/2010 08:31
Até hoje, passados 18 anos, é possível que alguns se lembrem do espirituoso discurso do diretor espanhol Fernando Trueba, ao vencer um Oscar, com o filme Sedução: "Gostaria de acreditar em Deus para agradecer, mas eu somente acredito em Billy Wilder, então, obrigado, Mister Wilder". Da amizade com o mestre de Quanto mais quente melhor, restou uma doce lembrança, pelo contato com "a pessoa mais inteligente do mundo". "Mesmo aos 93 anos, o humor dele - com a rapidez de articulação das piadas - era incrível. Não havia o menor traço de divindade: era humano e se interessava mais pelo outro do que por si. O único conselho que ele dava era: 'Passe mais tempo com seu filho'. Era um ser humano maravilhoso: com os olhos pequenos, ele enxergava tudo", relembra Trueba. A visão ampla de Wilder parece ter contaminado Trueba, incapaz de um só enfoque, no seu último filme, El baile de la Victória, recentemente exibido em Brasília, com a presença do cineasta.
"O filme tem elementos de melodrama, de filme noir, de comédia e até de western. Mas é um filme com poética muito especial. Traz uma geografia real, mas que voa, na abertura de enlouquecido romantismo", define. Filmagens com cavalos nas ruas, cenas de neve e primor no acabamento visual fizeram da fita algo "complexo e difícil", mas "adorado". "Ter sucesso não é ganhar muito dinheiro ou ter enorme público - que podem ser indício de miséria. Para mim, sucesso é fazer o filme que você quer. O Oscar, nesse sentido, serviu como ajuda", diz, ao falar de El baile de la Victória, indicado a nove prêmios Goya e protagonizado pelo onipresente ator Ricardo Darín (de O segredo dos seus olhos).
Intolerância
Emancipação, porém, nem sempre fez parte do cotidiano do diretor, que, aos 55 anos, foi criado até os 20 anos sob a intolerância de Francisco Franco. "Acho até um privilégio ter conhecido a ditadura: para saber do que se tratou, mas sem que houvesse me destruído ou roubado a minha vida. Quem viveu naquele sistema aprecia a liberdade ainda mais. Vemos a importância de lutar por soberania, educação e cultura", explica. Ao traduzir para o cinema a obra literária assinada pelo chileno Antonio Skármeta (de O carteiro e o poeta), Trueba contou com o auxílio direto do escritor no sentido de "chilenizar" os diálogos de uma obra original, com referências literárias que vão de Tchekhov a Raymond Carver, passando pela feminista Gabriela Mistral. "Skármeta foi muito generoso: me ensinou a entender a dinâmica de Santiago (Chile). Ele sugeriu lugares, cenários e promoveu jantares com muitos atores para que eu encontrasse gente. Às 6 da manhã, na minha chegada ao aeroporto, ele me recebeu, por exemplo, querendo que visse o hipódromo antes do nascer do sol", conta.
Na passagem por Brasília - comparada às californianas San Diego e Los Angeles -, Fernando Trueba deu detalhes sobre a nova experiência, quase completa, da animação com o pintor e designer Javier Mariscal. "Levou mais de seis anos, mas Chico e Rita será para adultos, com uma história de amor muito musical, passada entre a Cuba dos anos 40 e a Nova York do bebop e jazz. A Disney sempre foi um pouco inimiga nossa", brinca o realizador, que produziu os últimos discos do violonista flamenco Niño Joseli e criou um dicionário de jazz latino-americano.