postado em 23/06/2010 07:00
"Ofuscada e em desuso, a lamparina e seu contemporâneo candeeiro, emblemas de tecnologia ultrapassada, apagaram-se. Hoje, esses relicários utensílios domésticos são encontrados apenas no imaginário sertanejo ou em antiquários como peça decorativa. E a lua, que era dos namorados, agora pertence às lunetas dos astrônomos do primeiro mundo.
Naquela época, o sertão fazia das pessoas e dos animais seres efetivamente libertários, imanentes à natureza. Eles transitavam livremente: por trilhas estreitas, caatinga, agreste, chapada, tabuleiros, alagadiços, rios, riachos, lagoas, campinas, carrascos, pradarias, grotões. Quando sedentos, saciavam-se nos aquíferos porque as fontes desse precioso líquido eram devassadas. Os viventes não eram impedidos pelas cercas de arame farpado como ocorre aturalmente. Essas cercas, por vezes demarcatórias de vastidões cheias do nada ou entupidas de aridez, dificultam o transitar dos bichos e, sobretudo, das pessoas, geralmente os despossuídos viandantes, fato que exacerba as iniquidades do sertão."
"À medida que a filharada crescia, aumentava a necessidade de escola. Mas onde estava a escola? Longe! Na cidade! Os mais velhos passavam da hora de serem alfabetizados. O semblante dos pais denotava pesar em ver os filhos imersos na escuridão do analfabetismo. Nem o papagaio linguareiro era tão analfabeto! João-de-barro, o mais velho, fora para a cidade, acolhido por um amigo de Lourenço, onde iniciara como aprendiz de mecânico; à noite, estudava.
Depois de João-de-Barro, foi a vez do rechonchudo Galego também ir estudar na cidade, sob a mesma modalidade, ou seja, albergado, de favor, na casa de outro amigo de Lourenço. Esses procedimentos, entretanto, apenas paliavam, pois existiam outros meninos aguardando a iniciação escolar. Reiteradas vezes Lourenço pedira aos prefeitos uma professora primária para alfabetizar crianças da região. Como resposta, recebia promessas que jamais foram cumpridas. Afinal, os prefeitos eram, na essência, também coronéis, latifundiários para os quais não interessava esse tema de escola. Esse descaso, silencioso, denotava o propósito incofessável de perpetuar, no campo, o analfabetismo que os coronéis receberam dos pais como herança de ouro. Escola era algo que incomodava. O que incomodava não interessava; o que acomodava, sim."
SERVIÇO
Primaveras graciosas
De Jacob Fortes de Carvalho. 172 páginas, LGE Editora. R$ 30. Lançamento amanhã (quarta 23/06), a partir das 19h, no restaurante Carpe Diem (104 Sul).