Nahima Maciel
postado em 25/06/2010 08:50
Entrar no mundo de Maciej Babinski exige certa dose de fantasia, mas sobretudo perspicácia e muita atenção. Uma imagem é capaz de narrar situações que vão além das cenas aparentemente representadas. É preciso também ter um pouco de estômago. Babinski não fala de coisas fáceis ou belezas comuns. Não há nenhuma facilidade no lote de 59 gravuras da mostra O inferno estético, em cartaz no Museu Nacional a partir desta sexta-feira.
A ideia de inferno é extremamente apropriada aos trabalhos selecionados pela curadora Grace de Freitas com a concordância do artista. Para que o público entendesse esse universo, Babinski inseriu 11 trabalhos realizados entre os anos 1960 e 1970, uma prévia antes das gravuras feitas entre 2006 e 2009. "Essas antigas são do momento do AI-5 e imediatamente depois. Em algumas há o ambiente de caserna. Era época do tropicalismo e da contracultura e eu imaginava, nessas gravuras, uma saída utópica. Não sou artista de comentar situação política, mas é óbvio que senti algo me cutucando e tinha que fazer alguma coisa", explica Babinski, diante do lote de gravuras.
Antes de chegar às séries mais recentes, um conjunto datado do fim dos anos 1970 mostra cenários idílicos e psicodélicos. "Tem a ver com minha vida pessoal", comenta o autor de 79 anos. "São pessoas saindo para uma vida idílica, é um pouco profético." Em época de contracultura, Babinski fez experiências estéticas e lisérgicas. "As gravuras mais recentes têm mais mordacidade, são mais satíricas. Essas de 1968 são de um momento de alienação, na época todo mundo usava ácido lisérgico, fumava toneladas, era novidade."
Babinski teve dificuldades em aceitar os trabalhos realizados desde 2006. Nasceram em forma de série e com muita liberdade no traço. "Queria mais força, limpeza. Aqui, estou chafurdando na lama", brinca. De fato, trabalhos como Surpresa, Escuridão e Casal, um belo retrato do artista com a mulher, Lídia, são frutos de um desenho carregado e sem as amarras formais impostas pela técnica. Adiante, a forma se instala e o artista traz para dentro do quadro referências que o cercam, como as carnaúbas e Padre Cícero, imagens simbólicas do Ceará, onde mora desde 1991. Todas as gravuras são acompanhadas de títulos e Babinski os considera fundamentais para dar indícios das narrativas propostas nos desenhos. E elas são muitas. Estão ali para anunciar as angústias do artista, suas contemplações, seus delírios e suas constatações. Na chácara em Várzea Alegre, no interior do Ceará, Babinski conta ter pouco a fazer além de pintar. Quando não está diante do cavalete ou do papel, assiste televisão. "Sou obrigado a ver, não tenho jornal todo dia, né?", explica. Eventualmente, as impressões sobre as notícias do cotidiano escorregam para as gravuras. O Rio de Janeiro, cenário constante do noticiário e das novelas, aparece aqui e ali, mas há também os delírios nos quais animais, seres humanos e vegetais se unem em um mundo homogêneo e até uma crítica ao circuito de arte ironicamente intitulado Mercado alagado, gravura na qual o próprio artista aparece num canto, observando pensativo o espetáculo. "É uma referência ao mercado de arte no qual já fui envolvido como ator ou vítima, não sei direito."
Um espaço reservado no Museu Nacional da República foi isolado em ambiente intimista para receber as obras do artista. Babinski até pintou uma parede de fundo cinza com tinta branca. Não gostou muito da cor destinada ao pincel. "Nunca fiz isso na minha vida. É muito difícil desenhar em branco, desenho sempre com preto. Não sou Goeldi. Ele abria luz no preto. Eu sou o contrário", reclama. Mas a arquitetura do local caiu bem ao trabalho do artista. "Nunca imaginei que ia poder expor aqui. Esse ambiente parece o ambiente das gravuras, com as abóbadas e salas fechadas."