Regina Bandeira
postado em 04/07/2010 11:49
>>Especial para o Correio
Dez anos depois do surgimento das primeiras megastores, frequentar livrarias virou hábito de boa parte da população brasiliense. Com um mix sedutor nas prateleiras - músicas, filmes, atrações culturais e gastronômicas -, as gigantes atraíram uma boa parcela das classes A e B, ajudando a alavancar a leitura de livros no Brasil, que na última década passou de 1,8 livro ao ano para 3,7 livros. "As livrarias têm papel preponderante no crescimento do índice de leitura no país, mas estão muito concentradas nos grandes centros", alerta Rosely Boschini, presidenta da Câmara Brasileira do Livro.
A oferta do mix música-livros-filmes começou na década de 1990, inspirada em um modelo americano para atrair clientes. As livrarias passaram a oferecer CDs, DVDs, cafés expressos, palestras e peças teatrais. Também não se esqueceram do público infantil, para quem existe internet, contadores de histórias e até pequenos shows de rock.
Espalhadas pelas grandes cidades, as gigantes esvaziaram as pequenas e tradicionais livrarias de quadras e bairros, levando parte delas à falência - principalmente as que não acompanharam as mudanças no mercado. No entanto, o conceito de livrarias cheias de atrativos também foi diretamente responsável pela reestruturação, pela modernização e pela sobrevivência de muitas outras de pequeno e médio portes.
"Quem não mudou, morreu. Nós nos recriamos", afirma Cida Caldas, coproprietária do Sebinho, da 406 Norte. Cida ampliou a loja, passando a oferecer CDs, DVDs e HQs usados, e incorporou um espaço gastronômico, com internet, além de café ao ar livre. "Hoje temos novos clientes, gente que vem aqui trabalhar, e os antigos estão mais satisfeitos. Financeiramente, a mudança também foi positiva em relação à venda de livros", diz.
Outra livraria brasiliense que reciclou após a entrada das megalivrarias foi a Dom Quixote. Ao perceber que o mercado para as distribuidoras estava ficando reduzido, Márcio Castagnaro, 39 anos, decidiu diversificar seu negócio, abrindo lojas em pontos estratégicos da cidade. Deu certo. Nos últimos 10 anos, a empresa inaugurou seis filiais na cidade (entre elas, no aeroporto, na rodoviária e no Centro Cultural Banco do Brasil), trabalhando principalmente com livros de edições mais acessíveis e revistas. "Hoje, só não lê quem não quer", destaca.
Impulsionada pelos bons números da economia e pela ampliação dos produtos oferecidos, as livrarias foram sendo incorporadas ao programa do brasiliense. "Em nossas lojas, o maior gasto médio por pessoa é do cliente de Brasília", confirma Pedro Herz, dono da Livraria Cultura (rede com 11 lojas em todo o país, todas em shoppings).
A família do administrador Luciano Fonseca, 43 anos, é um exemplo da nova geração de frequentadores de livrarias na cidade. "Seria capaz de passar um dia inteiro aqui", diz o carioca que lembra sem saudade do tempo em que ir a uma livraria não era prazeroso. "Era bem burocrático até", diz. A esposa, Márcia Penna, 34 anos, também aproveita o acervo para conhecer novos livros de direito e legislação. "Bisbilhoto aqui, mas costumo comprar a maioria deles pela internet", diz, reforçando uma tendência global.
Economia
Outra golias nesse mercado, com quase 100 lojas em todo o país (47 megastores), a Saraiva é um exemplo de empresa que cresceu alavancada pelo aumento de serviços oferecidos aos clientes. Pela internet, a empresa vende 12 mil livros por dia. Nos últimos cinco anos, as vendas aumentaram, em média, 36% ao ano. Um número expressivo e que demonstra que nunca o país esteve tão ligado às letras. Para Marcílio D'Armico, presidente da Saraiva, elas só tendem a crescer. "A economia vai bem, os livros estão mais baratos, o governo ampliou a compra e a distribuição de livros didáticos. Agora, é preciso investir na população, em como tornar a leitura um hábito", avalia, retomando a questão para o investimento público em educação de base.
Um problema que também é lembrado pelo escritor e jornalista Galeno Amorim, diretor do Observatório do Livro e da Leitura, e coordenador da pesquisa nacional Retratos da Leitura no Brasil. "Mais gente está lendo, e também lendo mais. As grandes livrarias ajudaram nesse processo, mas principalmente entre as classes A, B. Ainda estão alijados dessa nova realidade 77 milhões de brasileiros, leitores de nenhum livro. Para esses - analfabetos e analfabetos funcionais - é necessário um investimento maciço em educação. É preciso acesso a bibliotecas e elas estão em estado precário, sucateadas, fechadas à noite e nos fins de semana", aponta.
Perfil do leitor brasiliense
> Consome mais livros de direito e legislação (voltados para concursos)
> Gosta de best-sellers (literatura estrangeira)
> Entre o público C e D, os religiosos e os de autoajuda têm maiores saídas
> Compra mais nos fins de semana
> De dia, o maior volume de compra se dá pela internet
> No aeroporto, livros de bolso e revistas competem entre os mais vendidos
> Em livrarias de centros culturais, livros de arte têm boa saída
> Nas livrarias de quadra, os livros de catálogo sobre humanidades - sociologia, psicologia, filosofia, história e antropologia - são bem procurados
> A literatura infantojuvenil também é bem comercializada na cidade e tende a crescer
> Nos sebos tradicionais, as estrelas são os livros clássicos, os importados e os raros
Números na estante
> 77 milhões de brasileiros não leem livros
> Dos livros lidos, 45% foram comprados em livrarias e 45% foram emprestados
> 43 milhões de brasileiros leem livros emprestados
> 22 milhões disseram ler porque ganharam livros de presente
> 18 milhões receberam livros gratuitos do governo
> 7 milhões baixaram livros da internet
(fonte: Pesquisa Retratos da Leitura)