postado em 06/07/2010 07:00
Pode parecer uma nota de rodapé, mas repare: as duas principais revelações da música negra em 2010 começaram a carreira como atores. Nascida no Kansas, Janelle Monáe sonhava com uma escalada atlética até os palcos da Broadway. Já o canadense Aubrey Graham, mais conhecido como Drake, entrou no showbusiness pela janela eletrônica: na série de tevê Degrassi: the next generation, emocionou o público como um jogador de basquete que fica paralítico. O talento para atuação ; afinidade que une esses dois cometas do pop ; explica por que Janelle e Drake convencem nos papéis musicais que interpretam nos álbuns de estreia. Ela é a androide revolucionária; ele, o rapper romântico, sedutor e infinitamente agoniado.Os atores/compositores ainda não pregaram nenhuma peça juntos. Mas ocupam o mesmo tablado quando o assunto é a renovação da faceta mais comercial da soul music americana. Janelle é a inventora de modas, sagaz nas combinações inusitadas de figurinos do rock, do rap e do que mais der na telha. E Drake, o neo-Casanova, atualiza as paradas de sucessos com um híbrido macio de rhythm and blues e hip-hop, na linha de Kanye West (principalmente do disco 808s and heartbreak, sentimental toda vida) e Kid Cudi. Jogam em seleções diferentes, mas têm muitíssimo em comum: são ambiciosos, têm amigos influentes, acreditam nos superpoderes da internet, espanam estereótipos da black music e, donos do próprio nariz, assinam a própria arte.
;Infelizmente, muitas pessoas ainda pensam que artistas afro-americanos têm relação obrigatória com o rhythm and blues;, observou Janelle à revista Interview. Que sirva de aviso: a missão da musa mutante é estilhaçar, elegantemente, esse tipo de preconceito. Com 24 anos de idade, ela se associou a jovens artistas para formar uma instituição de música e artes cênicas. Após chamar a atenção de Big Boi (do Outkast), rascunhou uma curiosa estratégia de dominação mundial: lançar vários disquinhos via web, de graça, sobre uma mesma história, inspirada em filmes de ficção científica como Metrópolis (1927), de Fritz Lang. Na trama amalucada, a robô-messias Cindi Mayweather defende uma comunidade de androides ameaçada por um governo corrupto.
Siderado
O projeto multimídia ; que incluiria um longa-metragem e uma graphic novel ; deu tão certo que rendeu um compacto (Metropolis: suite I) e, em 2010, o primeiro álbum da cantora, The ArchAndroid. Como na série Guerra nas estrelas, a saga de Janelle começa nesse capítulo intermediário. Após apresentações furiosas em programas de tevê de David Letterman e uma indicação ao Grammy, apostou alto numa estreia que, com 70 minutos de duração, soa como o currículo siderado de uma artista que não se decide (nem quer se decidir) por uma só área de atuação. Desde já, um dos álbuns mais aventureiros do ano. ;É um disco extravagante com mais ideias, imaginação e detalhes conceituais do que muitos épicos de rock progressivo;, definiu Andy Kellman, do site All Music Guide.
O jorro de criatividade, no caso, é tão intenso que provoca uma consequência infeliz: o público americano, perdido na epopeia fantástica de Janelle, não parece compreender a moral da história. O disco, lançado pelo selo de Sean ;Diddy; Combs (ex-Puff Daddy), é uma unanimidade de crítica ; mas ainda patina nas paradas. Azar de que Drake não sofre. Príncipe da Billboard e filho de um músico negro de Memphis (Estados Unidos), o rapper vendeu 447 mil cópias do disco Thank me later na semana de lançamento. É o número um da América. E isso desde 2009, quando ainda lançava mixtapes distribuídas de graça via internet. Antes mesmo de gravar o primeiro disco, já havia sido indicado ao Grammy e emplacado três hits grandalhões.
Os amigos dão uma forcinha. Lil Wayne, o rapper-fenômeno, faz as vezes de padrinho. E, para retriburir o coleguismo de Drake, comparsas como Kanye West, Jay-Z e T.I. interpretam papéis pequenos no álbum. ;O clima do disco será vitorioso. Estou em um grande momento;, declarou o prodígio. O curioso é que o tom de Thank me later pouco tem de festivo. Drake costura as canções com uma fina linha de melancolia, que reforça a pose de ;pobre menino rico;. ;O dinheiro muda tudo;, lamenta, na faixa de abertura, Fireworks. Enquanto desenterra traumas de infância (o divórcio dos pais, aos cinco anos) e romances frustrados, compõe um retrato em branco e preto do vazio emocional do showbusiness. Mesmo sem querer, Drake cai na dança do desencanto. Ou seria mera atuação?