Nahima Maciel
postado em 10/07/2010 13:10
Brasília pode não ter ruas com esquinas, mas tem muitos becos. Cantinhos escondidos, com frequência cercados de lixo e terra, na maior parte das vezes um tanto trash. São, no entanto, lugares ideais para grafiteiros fazerem os seus rolés. Artistas de rua, eles têm habilidade para trabalhar rápido, desenhar bonito e colorir lugares pouco frequentados, tudo pelo prazer de levar um colorido eventual à paisagem cinzenta da cidade. Grafiteiros não têm apego às suas obras, embora não gostem que sejam confundidas com pichação. Se o ato é eventualmente ilegal, o resultado passa longe do vandalismo.
Muitos desses artistas chegam ao grafite pelo viés dos movimentos de inclusão social por meio da arte urbana. O hip-hop está na origem da produção de muita gente. Tito, ou Stevie Ramos de Abreu, 21 anos, começou dançando e hoje divide o trabalho em uma loja de telefonia com a pintura nas ruas. Com oito amigos formou o Força Tarefa Cruz, coletivo de grafiteiros da Ceilândia. "Gosto de misturar o realismo com o cômico e muito colorido. Para mim, o barato é demonstrar coisas que outras artes não podem passar. Às vezes tentamos passar mensagens em relação às drogas, um alerta para os meninos que estão na rua. Se passar isso na tevê eles veem, mas não se identificam. Com o grafite, eles se identificam", diz Tito, que admite a vertente social de alguns de seus desenhos.
Na Ceilândia, o coletivo DF Zulu encara a arte como um meio de socialização. "A periferia é onde tem os maiores índices de criminalidade com jovem e a gente vê que o grafite funciona", garante Satão, ou Gilmar Cristiano Enéas, 37 anos, coordenador do grupo. Mas a periferia também tem artistas independentes, cujo trabalho não está necessariamente ligado aos coletivos de inclusão social. É um caminho natural entre grafiteiros começar no movimento e descambar para o artístico com uma vontade muito intensa de desenvolver o trabalho e explorar novos traços, cores, composições e personagens.
Raíssa Merielle, 21 anos, secretária de uma escola de inglês na Asa Norte, faz dupla com a também secretária Naiana Alves, 21, no grupo Spray Rosa Atack (SRA). Elas chegaram ao grafite pelo hip-hop, mas hoje estão preocupadas com questões artísticas. Miah e Nati, respectivamente, pintam juntas e já não temem o fato de serem mulheres em becos e quebradas abandonadas. "A gente toma cuidado, porque mulher é visada, mas é também mais tranquilo porque a polícia não para a gente", admite Nati. Do Recanto das Emas, onde moram, ao Plano Piloto, as meninas do SRA pintam letras e bonequinhas com roupas de corações inspiradas em cartoons. "Para fazer grafite tem que estudar. É diferente de desenhar. Tem que tirar um tempo para pesquisar e riscar o papel até sair coisa boa", observa Miah.
Cabeças
No Plano Piloto, as assinaturas mais comuns são de Mello, Onio e Guga Baygon. Os dois primeiros costumam pintar juntos. Foram eles que recepcionaram os paulistanos Gêmeos pelas ruas de Brasília. Os irmãos gêmeos Gustavo e Otávio Pandolfo fizeram exposição no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e, durante a montagem, saíram para grafitar com a dupla. O traço de Onio, ou Adriano Cinelli, é fácil de reconhecer: padrões muito trabalhados se repetem dentro de contornos pré-determinados.
Mello faz muitas cabeças e o conjunto gera um diálogo particular em dezenas de becos da Asa Sul. "O grafite é uma forma de expressão sincera e livre, é onde eu me encontro, e a motivação é simplesmente se sentir vivo através disso. A transgressão também é algo que me motiva muito, mesmo fazendo algo alegre aos olhares da cidade. Minha intenção ao construir um desenho é seguir um impulso natural, e ilustrar os sentimentos", diz Onio.
Já Guga gosta das passarelas do Eixão Norte. São desenhos escondidos e mesclados à sujeira desses locais. "Gosto muito de trocar ideia com as pessoas que passam". O Diversão & Arte percorreu ruas do Plano Piloto, de Ceilândia, Recanto das Emas e Núcleo Bandeirante em busca de trabalhos nem sempre evidentes, mas de traços sofisticados e composição de qualidade.
Grafite não é pichação
A intenção dos grafiteiros passa bem longe do impulso de deteriorar espaços públicos e privados. Chamadas de tags, as pichações são consideradas vandalismo até mesmo por quem faz grafite. Eles não gostam quando seus desenhos aparecem pichados e a maioria não ousa pintar em muros de espaços privados sem permissão. Nos locais públicos, o ato é visto como uma apropriação quase política de um espaço reservado a todos os cidadãos.
"Grafite é uma produção artística, é diferente da pichação, que visa a deterioração da cidade. Grafite é uma apropriação, é uma maneira de usar o espaço público para mostrar uma identidade, é uma forma de ativismo do bem, onde o indivíduo mostra sua identidade através da arte", acredita Suzette Venturelli, professora do Instituto de Artes da Universidade de Brasília (IDA/UnB) e coordenadora do Meidalab, laboratório de pesquisa em arte e realidade virtual que incorpora o grafite em suas pesquisas e ações.
A prática é tão reconhecida no meio artístico que muitos grafiteiros acabam em galerias de arte. Aconteceu com os Gêmeos. Os paulistanos Gustavo e Otávio Pandolfo começaram a pintar muros com colegas do hip-hop e hoje formam a dupla de grafiteiros mais famosa do Brasil. Suas obras atravessaram a fronteira entre a rua e os espaços reservados à elite artística. Já mostraram trabalhos no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) e na Tate Modern, o templo da arte contemporânea em Londres.
Onio segue o mesmo caminho. Na próxima semana, ele participa da Transfer, coletiva que reúne 100 artistas urbanos em São Paulo. "É um caminho natural. Tudo começou no grafite e no movimento hip-hop e daí evoluiu para outros suportes e técnicas. Muitas pessoas passam por esse processo e param de pintar na rua, mas eu continuo usando as paredes como forma de expressão, pois dependo desse processo para criar coisas que vão além do grafite", conta.