postado em 10/07/2010 13:31
O país ainda respirava os vestígios de um regime ditatorial quando o primeiro capítulo da minissérie Anos rebeldes foi ao ar pela TV Globo. Era uma terça-feira, 14 de julho de 1992. A democracia acabara de chegar com a eleição de Fernando Collor, mas a tensão política ainda pairava no ar quando os primeiros acordes de Alegria, alegria, de Caetano Veloso, foram ouvidos a partir dos televisores brasileiros na abertura da minissérie. Revisitando uma das principais obras de Gilberto Braga, o autor lança pela editora Rocco o livro Anos Rebeldes, os bastidores da criação de uma minissérie com detalhes minuciosos de toda a produção, incluindo o roteiro completo, com observações para as locações, diálogos e comentários interessantes que narram todos os passos para a realização desta obra-prima da televisão.
Antes de dar início ao roteiro propriamente dito, Gilberto Braga abre um parêntese delicioso. O autor revela em uma miniautobiografia os caminhos percorridos para chegar a ser um autor da Rede Globo, ainda hoje tarefa difícil em uma emissora que não costuma trocar muito seus autores - até por conta de certa insegurança diante do novo e também porque, confessamos, é difícil mexer em time que está ganhando. O curioso é notar que, além de ser um autor que começou diretamente na televisão, diferentemente das colegas Janete Clair e Ivani Ribeiro (que escreveram antes para o rádio), Gilberto Braga teve formação rica em cinema e teatro e, antes de se tornar o prestigiado escritor de novelas, era crítico de teatro do jornal O Globo, veículo que foi grande porta de entrada dele para a emissora carioca. Nos relatos da vida de Braga, situações que marcaram sua trajetória, cineastas importantes para a criação do estilo único e até certa resistência a rótulos dividem espaço com revelações pessoais e comentários sem o menor pudor. Em certo trecho, por exemplo, Gilberto Braga conta o desprezo que sente por Frei Betto após um artigo publicado com críticas severas à minissérie, que ainda nem havia começado, mas já sofria censura interna e precisou ter alguns capítulos reescritos.
A história de Anos rebeldes era aparentemente simples. Um casal com ideais completamente diferentes viveria um relacionamento conturbado entre os anos de 1964 e 1971, tendo a ditadura militar como pano de fundo. Mas como poderia existir qualquer simplicidade com a história brasileira tão escancarada diante de todos? Impossível. Na trama, Maria Lúcia (Malu Mader), jovem individualista filha de um jornalista de esquerda, se envolve com João Alfredo (Cássio Gabus Mendes), rapaz decidido a mudar o país com seus ideais revolucionários. O destaque, porém, ficou para Cláudia Abreu, que na minissérie interpreta Heloísa, menina rica e engajada que protagoniza uma das principais cenas, quando é brutalmente assassinada por policiais. Braga conta que incluiu esta cena no roteiro com certo receio de que fosse censurada.
Anos rebeldes trouxe para a frente da tevê os jovens e iniciou a criação de um novo público de telespectadores, além de estar relacionada a um importante momento político do país. Coincidência ou não, um mês depois da minissérie encerrar, as ruas foram tomadas pelo movimento dos caras pintadas, que resultou no impeachment do presidente Fernando Collor. "O programa marcou essa geração porque propunha inovações: misturava ficção com acontecimentos históricos - os personagens, criações nossas, participavam de discussões e fatos marcantes de época, como a Passeata dos 100 mil, a missa pela morte do estudante Edson Luís, entre outros", conta o autor.
Agraciado por um prefácio redigido por Artur Xexéo, Anos rebeldes, os bastidores da criação de uma minissérie é leitura obrigatória para os que desejam conhecer a fundo como funciona a televisão em aspectos organizacionais e técnicos. Pelos relatos, podemos dizer que o inteligente autor sempre se fez valer de uma certa sorte, que o levou a estar sempre no lugar certo e na hora certa. É o que chamamos de estrela. E Gilberto Braga tem uma poderosa.