Nahima Maciel
postado em 13/07/2010 07:00
Frida aos 4 anos, de cabelos curtos e com as sobrancelhas já unidas. Frida aos 14, com ar insolente, de mãos na cintura em meio a mocinhas de postura bem-comportada. Frida aos 42, de bruços na cama, com o torso seminu. Frida aos 23, envolta em um xale e com um cigarro na boca. A filha do fotógrafo Guillermo Kahlo era naturalmente obcecada pela própria imagem. O rosto exótico esteve presente em boa parte dos quadros que pintou e é esse rosto que o leitor reencontra nas 524 páginas editadas pela Cosac Naify em Frida Kahlo ; Suas fotos, uma compilação de mais de 500 imagens pertencentes ao Museu Frida Kahlo e selecionadas pelo curador Pablo Ortiz Monastério.A fotografia teve papel fundamental na vida da artista mexicana, cuja morte completa hoje 56 anos. A infância cercada pelo universo fotográfico do pai ; dono de um estúdio e reconhecido como importante em sua época ; se prolongou nas amizades e relações da maturidade. Frida sempre se cercou de grandes nomes da fotografia. Pairavam em torno dela nomes como Tina Modotti, Manuel Álvarez Bravo, Gis;le Freund e Edward Weston, gente que adotara o México na primeira década do século 20 por enxergar ali uma sociedade propícia ao desenvolvimento de intelectualidade genuína e alternativa aos grandes centros.
Ao longo de seus 47 anos, Frida não só fotografou como colecionou imagens herdadas da família e do próprio marido, o também artista Diego Rivera. ;Em sua casa, sempre houve uma câmera: registravam-se momentos importantes, lugares pitorescos, reuniões com amigos, objetos, animais e pessoas que pudessem ser utilizados como modelo na pintura;, escreve Monastério no ensaio de apresentação do livro.
O acervo íntimo traz forte carga afetiva. Pessoas que amava, registros de momentos definitivos e imagens feitas de próprio punho como fonte de pesquisa para a pintura ou simplesmente documento pessoal formam o tesouro reunido em edição de luxo e acompanhado de textos de pesquisadores e historiadores. Antes de morrer, Diego Rivera confiara o acervo à sua testamenteira, Lola Olmedo, com a orientação de que guardasse a coleção até 15 anos depois de sua morte. Rivera morreu em 1957, mas Lola decidiu deixar as imagens guardadas. Se o pintor não queria mostrá-las ao mundo, não seria ela, dona Lola, a responsável por fazê-lo. Foi a diretora do Museu Frida Kahlo, Hilda Trujillo, quem decidiu tornar público o acervo.
A fotografia pode ter influenciado Frida especialmente no traço surrealista que imprimia em certas pinturas, mas a artista nunca foi realmente uma fotógrafa. ;Ela fez algumas ;fotografias artísticas;, talvez sob influência de seu pai, e esses são apenas still lifes. Ela estava experimentando e talvez fosse esperta o suficiente para pensar que, com um pai que foi um fotógrafo importante, devia se dedicar a outras coisas. Ela queria ser médica. Creio que pensava que ser uma artista não era tão importante quanto ser médica. E aí ela sofreu o acidente;, acredita James Oles, autor do ensaio Mexericos em prata sobre gelatina.
Aos 18 anos, a pintora sofreu um acidente de ônibus e teve o corpo atravessado por uma haste de ferro. O episódio ; somado a uma poliomelite infantil que lhe atrofiou a perna ; marcaria vida e obra da artista. Impossibilitada de ter filhos e vítima de dores constantes durante toda a vida, Frida se voltou para a exploração de sua própria imagem e sofrimento. As dezenas de autorretratos pintados entre os anos 1930 e 1940 narravam os terrores que a atormentavam.
Cirurgias
Ali, sob respaldo de tinta e pincel, está o universo sofrido revelado em algumas fotografias do livro. Se em 80% das imagens o conteúdo é documental ; incluindo os registros de Frida convalescente das dezenas de cirurgias necessárias para reconstruir o corpo dilacerado ;, há um pequeno lote com o qual as pinturas parecem encontrar diálogo. Uma imagem de brinquedos populares mostra uma boneca jogada ao chão, ao lado de uma charrete, como se tivesse sido cuspida para fora numa metáfora do ocorrido à artista. Pouco antes, a radiografia da coluna estraçalhada da pintora e recortes de ilustrações de anatomia de ossos correspondentes aos destruídos durante o acidente.
Para completar o que poderia ser a biografia em imagens de Frida Kahlo, chega também às livrarias a versão do Nobel de Literatura Jean Marie Gustave Le Clézio para o romance do casal de artistas mais famoso da história do México. Diego e Frida, publicado originalmente em 1993 e traduzido pela Record, percorre a trajetória de uma união conturbada e intensa. A biografia não é de Diego nem de Frida, mas do romance iniciado quando o pioneiro do muralismo mexicano já contava 43 anos e a jovem aspirante a pintora, 22.
Le Clézio, no entanto, evita escrever sobre os casos extraconjugais que pontuaram a vida do casal. Frida se apaixonou e se relacionou com homens e mulheres enquanto esteve casada com Rivera, conhecido como garanhão que dificilmente se podava pelas regras do casamento. Le Clézio não fala de Tina Modotti e Tara Pandit como amantes de Frida, mas como amigas. Também não se aprofunda nos casos de Rivera. Prefere se concentrar no casal e em sua ligação visceral, apesar das constantes traições. O autor também aproveita para esmiuçar aspectos da obra de Frida e conta com especial dedicação a postura política do casal, que integrou o Partido Comunista Mexicano e apoiou as conquistas sociais da Revolução Mexicana.
Trechos dos livros
Diego e Frida, de J. M. G. Le Clézio
"No centro de sua revolução, há Frida. Ela é mesmo la niña de mis ojos, "a menina dos meus olhos", aquela por intermédio de quem ele percebe verdadeiramente o mundo, aquela que participa do seu segredo, de sua alma, que o habita como seu duplo, que o guia, inspira, determina. Frida Kahlo é sem dúvida alguma uma das mais fortes personalidades entres as mulheres da era revolucionária no México, e é graças a ela que Diego vai até o fim da revolução, sem parar no meio do caminho como o fizeram Vasconcelos ou Tamayo, seduzidos pelo poder ou assustados com os riscos."Frida Kahlo, suas fotos
Trecho de texto de Pablo Masayo Nonaka
"Sua educação progressista na adolescência, ao lado da participação em um grupo estudantil ativista, Los Cachuchas, transformou Frida em uma mulher moderna contestadora, comprometida com questões sociais, completamente envolvida com o nacionalismo e a ideologia comunista. Embora a revolta contra o conservadorismo da mãe tenha se intensificado e Frida tenha desenvolvido em relação a ela sentimentos ambivalentes de amor e desdém, uma parte de sua complexa individualidade estava profundamente ligada a Matilde."